quarta-feira, 26 de março de 2014

Ele chegou lá "fazendo medo"

Fred Trajano aterrorizava a família sobre a novidade que poderia quebrar o Luiza: a internet. Montou o único comércio eletrônico lucrativo entre as grandes redes. E continua crescendo

Frederico quer estar à altura da responsabilidade,
 caso surja a oportunidade de suceder a mãe,
 Luiza (Foto: Gabriel Rinaldi)
Ser filho do dono é como começar a maratona no quilômetro 20”, dizem alguns consultores especializados em carreira. Frederico Trajano, filho de Luiza Helena Trajano, dona do Magazine Luiza, admite que é verdade. “Tive condições de tomar decisões que, sem dúvida, não fosse eu quem sou, seria diferente. Tive força, por ser membro da família”, afirma. “Mas eu fiz medo – e muito – no pessoal. Eu falava: ‘gente, vamos acordar porque esse é o tipo de inflexão de inovação que quebra o negócio. Se a gente não migrar, vamos riscar da história uma empresa de quase 50 anos’.” A inflexão a que Fred, como é chamado dentro do Luiza, se referia, é claro, é a internet. Fácil de constatar hoje, quando o comércio eletrônico já é, em algumas classes sociais, tão natural quanto o de rua. Mas não tão óbvio 13 anos atrás, quando ele montou a operação online do Luiza.

Apesar de ter largado lá na frente na corrida, Fred treinou o fôlego antes de entrar na competição. Formado em administração pela FGV-SP, ele trabalhou no mercado financeiro, em áreas que tinham a ver com o negócio da família. No Deutsche Bank, foi analista de renda variável de consumo e varejo. “Acompanhei a derrocada da Arapuã, da Mesbla, do Mappin e de toda essa turma que não soube virar a chave depois do fim do ciclo inflacionário”, diz. “Vi coisas muito erradas sendo feitas em empresas que eram sólidas, organizadas e bem dirigidas, como a Arapuã.” Com o aprendizado avançado, ele migrou para um fundo de private equity porque achava que “poderia contribuir mais do que escrever relatórios e dar opiniões sobre empresas”. Com pouco mais de 20 anos, mergulhou no mundo da análise dos planos de negócio, dos conselhos de administração, ajudando a construir empresas, sobretudo na área de tecnologia. “Eu analisava dezenas de planos de negócios de startups de internet e percebi que a rede iria revolucionar o varejo do mesmo modo que aconteceu quando a moeda acabou com o escambo”, afirma. “Se fosse para ir para o Luiza em voo cruzeiro, eu provavelmente não teria voltado. Deixaria que os profissionais a tocassem.”


O desafio que ele aceitou para voltar foi capitanear a operação digital. Fred tinha 24 anos. Em parte por exigir menos investimento da empresa, em parte por crença, o comércio eletrônico do Luiza nasceu integrado à operação real – diferentemente do que sugeriam todos os bancos de investimento e consultorias à época. Para os especialistas do mercado financeiro, estruturas separadas permitiriam futuras aberturas de capital que valeriam bilhões. Americanas, Pão de Açúcar, Walmart no Brasil e várias varejistas no exterior preferiram fazer operações separadas. Para Fred, o movimento não fazia sentido: havia muita sinergia entre as operações real e virtual e era mais lógico usar o mesmo centro de distribuição, a mesma tecnologia e o mesmo sistema de faturamento para as duas áreas. “Só vejo vantagens em ter as operações integradas: da sinergia às vendas maiores, tudo é favorável”, diz Nuno Fouto, professor da FEA-USP e coordenador do Provar (Programa de Administração do Varejo). “Todos dizem que [o varejo online e o físico] são negócios diferentes, mas são exatamente a mesma coisa. Optar por operações separadas é medo de uma logística mais sofisticada e de tecnologia, numa área muito tradicional, que é o comércio.”

Fred completou o aprendizado cobrindo varejo
 no Deutsche e trabalhando em Private Equity
 (Foto: Gabriel Rinaldi)
Com o tempo, a aposta de Fred se mostrou acertada. Nos primeiros nove meses de 2013, 15,3% do faturamento do Magazine Luiza – quase R$ 1 bilhão – veio da operação online. Ela foi a única, entre as grandes do setor, a dar lucro. A maior parte dos concorrentes registra prejuízo em seus comércios eletrônicos, que classificam como investimentos de longo prazo. Além do potencial de ganho futuro no mercado de ações, a separação entre as operações física e online é justificada por eles graças ao ganho de agilidade.

Ao optar por esse formato, porém, as redes deixam de oferecer a multicanalidade (o produto comprado pela internet não pode ser retirado ou devolvido nas lojas físicas), nem conseguem enxergar os estoques recíprocos e as melhores alternativas de entrega. Têm de manter também estruturas de gestão separadas, com presidentes, diretores financeiros e outros profissionais-chave para cada área. “Boa parte das operações de e-commerce está fora da realidade econômica de retorno sobre o investimento”, diz Fred. “Nossa meta é crescer acima do mercado, mas sempre gerando valor ao acionista.” Segundo ele, a operação online do Luiza poderia facilmente faturar R$ 4 bilhões ou R$ 5 bilhões ao ano. Só que teria prejuízo. “Apesar de ser executivo, penso o negócio como acionista: não estou só colocando no meu currículo que levei uma operação de 1 para 4”, afirma. “Estou pensando no longo prazo.”

Além de ter sido o responsável pelo modelo de negócio da área online, Fred também esteve por trás de outras inovações importantes no Magazine, como a Lu e o Magazine Você. A Lu, que no fim de 2013 tornou-se a garota-propaganda da rede na televisão, é uma modelo virtual nascida para tentar dar um jeito amigo e casual – próximo àquele pelo qual as vendedoras da rede são conhecidas – ao comércio eletrônico. “Tem cliente que liga para a gente, sabe que a Lu é virtual, mas quer falar com ela”, afirma Luiza Helena. Já o Magazine Você foi a primeira operação de varejo feita em redes sociais no mundo. Qualquer pessoa com um perfil no Facebook monta uma loja em parceria com o Luiza, que processa e entrega as vendas e paga comissão ao dono da página. Foram montadas 160 mil lojas Magazine Você desde 2011. Os maiores vendedores – que se reúnem anualmente num encontro promovido pelo Magazine – faturam entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil mensais. “Eu estava numa posição privilegiada”, diz Fred. “Sempre tivemos o sonho de ter venda porta a porta e, como eu conheço muito bem o mundo dos vendedores e das redes sociais, foi fácil ter o insight.”

Pode ser. Mas a ideia foi tão inovadora que o próprio Alexandre Hohagen, vice-presidente do Facebook América Latina, parece ter resistido a ela. Fred falou sobre o Magazine Você a Hohagen durante uma corrida pela orla de Cannes, quando participavam do festival de publicidade. Hohagen respondeu que pensassem melhor a respeito. Fred bancou a ideia, depois reconhecida como um projeto altamente inovador pelo Facebook. “Conheço o Frederico há mais de dez anos (...) e ele teve importante influência não só no desenvolvimento e na inovação do Luiza como [também] no varejo eletrônico no Brasil”, disse Hohagen, por e-mail. “São parceiros como ele que constroem uma nova maneira das marcas se comunicarem com os consumidores.”

No Luiza, o projeto do Magazine Você foi desenvolvido em sete meses e deu a Fred outra ideia importante: o Luiza Lab. Formado por um grupo de desenvolvedores que não lidam com o dia a dia da empresa e só se preocupam com inovação, a estrutura é separada do Magazine, para aproveitar parcerias com universidades e financiamentos, via Finep. “A melhor decisão que eu tive nesses 13 anos foi nunca ter comprado um sistema [tecnológico] de mercado”, diz Fred. “Tá certo que, naquela época, não existia. Mas, quando você mantém uma equipe de desenvolvimento, você cria coisas diferenciadas e inova sempre.”

Para exemplificar, ele fala do sistema de indicações de produtos do site, baseado em Big Data que, diz ele, é mais efetivo que o dos concorrentes. Também dos 7 mil vídeos de produtos postados no YouTube, que ranqueiam bem o Luiza no Google. E do chip Luiza, que funciona tanto para quem tem smartphone como para quem não tem e dá ofertas especiais, e-mail e a possibilidade de navegar gratuitamente nas redes sociais. Já foram vendidos 500 mil chips. “Quando eu trabalhava na Philips, tive contato com os projetos inovadores que eles implementavam no Magazine Luiza e pensava: ‘existe um espírito visionário nessa empresa’”, diz Flávio Dias, presidente executivo do Walmart.com (leia sobre ele à pág. 60) “Eles já colocavam aquelas lojas eletrônicas em cidades pequenas, mostravam o produto com vídeo para as pessoas – na época, levavam um videocassete. Era muito inovador.” Segundo Dias, quando tinha alguma ideia meio diferente na Philips, ele falava com Fred e o Luiza era a primeira rede a adotar. “Isso abria as portas e ficava fácil aprovar o projeto com os outros varejistas”, diz. Dias tornou-se depois diretor de tecnologia do Luiza e acabou indo para o Walmart.com (Fred afirma, rindo, que já formou muita gente para a concorrência). Sobre o estilo de Fred, Dias diz que ele sabe trabalhar em equipe. “Como chefe, é duro e exigente na cobrança, mas faz junto com você”, afirma. “Ele provoca a equipe, pede muito para que imaginem coisas diferentes.”

Após três anos cuidando do online, Fred assumiu também as lojas físicas e o marketing do Luiza. Tornou-se diretor executivo de operações. É ele quem cuida da gestão das lojas, bem como do atingimento de metas de vendas, por exemplo. Há pouco tempo, também entrou sob seu guarda-chuva a área de tecnologia. Ele responde ao CEO do Luiza, Marcelo Silva.

Casado com a namorada dos tempos de faculdade (conquistada na festa de formatura), Fred diz que seu hobby são os dois filhos pequenos. Mas arruma tempo para assistir aos jogos do Corinthians no estádio e para correr, com direito a participar de provas no Brasil e nos Estados Unidos. Tem se dedicado bastante a aprender sobre empreendedorismo, com direito a curso em Stanford. “As faculdades da minha época formavam caras para ser presidentes de grandes multinacionais, não formavam gente que vai montar empresas”, diz ele. “A internet provocou uma mudança também nessa área e é preciso pensar além.” Para ele, não saber programação também é uma falha em sua formação e gostaria que os filhos aprendessem, como a segunda língua. Só há um assunto sobre o qual Fred não gosta de falar: se substituirá um dia sua mãe – uma figura folclórica, pela espontaneidade no jeito de falar e pelo talento para o comércio. “Não estou sendo preparado para assumir esse cargo, mas eu estou pessoalmente me preparando, para quando acontecer de surgir a oportunidade estar à altura das responsabilidades”, diz. Pelo andar dos bits e bytes, ele vai chegar lá. Sem fazer medo.


Fonte : Época NEGÓCIOS
26/03/2014

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