domingo, 19 de agosto de 2012

O que uma colmeia tem a ver com Gestão do Conhecimento?

Carlos Legal* faz analogia entre o trabalho organizado das abelhas e a forma como líderes devem trabalhar o capital intelectual das empresas


Após minha participação no Encontro Sul Americano de Recursos Humanos (ESARH), já relaxando na sauna do hotel, iniciava-se na cidade o XIX Congresso Brasileiro de Apicultura. E numa conversa de sauna com um apicultor que compartilhava aquele espaço comigo e meu sócio, tive a informação de que as abelhas são uma das comunidades mais organizadas na natureza. Mas o que me deixou mesmo impressionado foi saber que o produto mais nobre da colmeia – a geleia real – é produzido por uma glândula localizada na cabeça das abelhas operárias, sendo o alimento da abelha rainha por toda sua vida. Soube também que as abelhas operárias apesar de serem fêmeas, são estéreis, sendo uma prerrogativa e única função da rainha a reprodução da colmeia.

Esse diálogo me fez lembrar duas coisas notáveis: o trabalho de Janine Benyus, consultora em inovação que se inspira no Biomimetismo (área da ciência que tem por objetivo o estudo das estruturas biológicas e das suas funções, procurando aprender com a natureza suas estratégias e soluções); e a ótima palestra de Mário Sergio Cortella que, no mesmo ESARH, explicou o mito grego de Maia, deusa da fecundidade e da energia vital, cujo nome significa literalmente “pequena mãe”.

A palavra Maia dá origem ao termo “maiêutica” (de Sócrates) que sabemos ser a base da metodologia de coaching. Tanto o coach quanto o líder tem a função de fecundar, germinar, promover, polinizar, fertilizar. Aquela conversa me gerou uma instigante curiosidade e entusiasmo pelas abelhas e quase que automaticamente comecei a fazer uma analogia com o ambiente corporativo e a gestão do conhecimento. Em minha posterior pesquisa (consegui um exemplar de um livro raro, que “devorei” em apenas um dia), descobri que uma colmeia, composta por cerca de 90 mil indivíduos, funciona como se fosse um único organismo em que cada abelha atua como uma célula num corpo, servindo o todo num impressionante senso de serviço.

E as analogias não param por aí:


Sobre a função do conhecimento

Na colmeia, as abelhas interagem por meio de uma complexa comunicação e a ação de cada abelha serve a um propósito comum que é buscar, criar, disseminar, utilizar e transformar matéria-prima (néctar, pólen, própolis, água) em produtos úteis para comunidade, garantindo a sua manutenção e sobrevivência. Na empresa, os talentos buscam, criam, disseminam, utilizam e transformam informações em conhecimentos uteis para a empresa para garantir sua sustentabilidade e capacidade de inovação. Isso só é possível se os talentos tiverem um forte senso de identidade com a organização a que servem, com orgulho de pertencer a ela.


Sobre o conhecimento em si

Na colmeia, as abelhas jovens produzem a geleia real por uma glândula localizada em sua cabeça, alimento nobre, que nutre a rainha por todo seu ciclo de vida. Na empresa, os talentos disponibilizam seus conhecimentos tácitos (que estão em suas cabeças) para nutrir o grupo, o líder e a organização em seu intento estratégico.


Sobre a liderança

A única função da rainha é produzir filhos (germinar, fecundar, fertilizar). Quando uma rainha não cumpre seu papel ela é substituída pelas operárias (é a comunidade quem comanda e não a rainha). Nas empresas, a função do líder é nutrir e fertilizar os talentos e os acionistas. O líder que não desenvolve, não germina, não cumpre sua função essencial, perde legitimidade e credibilidade, sendo substituído cedo ou tarde. A liderança que fomenta e estimula o processo de aprendizagem organizacional é um líder polinizador da criatividade e da inovação.


Sobre a utilização do conhecimento

Cada produto colhido ou produzido tem uma função para a colmeia. Nada é desperdiçado. As abelhas armazenam seus produtos em formas hexagonais para otimizar ao máximo o espaço na colmeia. Cada conhecimento tem uma relevância e função estratégica para a organização, devendo ser armazenado apropriadamente (sistemas de informação, banco de dados, processos internos, manuais, etc.) e com livre acesso pelos talentos, para ser usado quando oportuno.


Sobre o contexto capacitante

Há uma interação muito estreita entre a colmeia e o ambiente. Para que a vida da colmeia seja garantida é preciso um contexto que capacite a vida, assim como uma atuação sábia do apicultor para perceber e respeitar os ritmos, as necessidades, o clima e os ciclos das colmeia e assim conseguir alta produtividade. A ganância do apicultor pode destruir a colmeia. A empresa deve garantir um contexto capacitante para que o conhecimento possa fluir. Um bom clima organizacional, onde as pessoas se sintam seguras, encorajadas, reconhecidas e amparadas e donas do processo. Isso é viabilizado por um estilo de gestão que possibilita o desenvolvimento do potencial criativo de todos os talentos, num ambiente de confiança mútua, autonomia e políticas coerentes.


Sobre estratégia

O intento de cada abelha, assim como o da colmeia, é prosperar a vida. O foco central não está num ganho imediato, ou individual, utilizando os recursos naturais, sem destruir a natureza, pois instintivamente sabe que “está nela”, que precisa dela para continuar produzindo e vivendo. Sustentabilidade faz parte de sua estratégia, pois retira da flor só o que precisa e quanto mais trabalha, mais contribui para a polinização, garantindo recursos no futuro. Na empresa, o foco central deve estar na estratégia e no valor de seu capital intelectual e não na perspectiva de um lucro imediato. A sustentabilidade deve ser incorporada nas estratégias empresariais, não como retórica, mas como um compromisso genuíno com a vida, com as gerações futuras e com a felicidade no presente. O conhecimento, quanto mais circular, mas se multiplica.

Concordando ou não com minhas reflexões, uma coisa é certa: a natureza é uma impressionante professora de 5 bilhões de anos, com modelos testados, aprovados e melhorados que nos convida sem imposições a ajustar as lentes de nossa percepção para um olhar mais atento das complexidades a nossa volta. E uma característica notável da Sociedade do Conhecimento é que para aprender, não precisamos ser ensinados. Basta apenas fazer como as abelhas, colher e digerir o conhecimento, dando função a ele.


(*) Carlos Legal é graduado em administração de empresas com pós-graduação em gestão estratégica do conhecimento e da inovação. Empresário, consultor organizacional e palestrante. Professor convidado de cursos de pós-graduação. Sócio-fundador da Legalas Educação e Qualidade de Vida.


Fonte: Portal HSM
19/08/2012

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