segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Ser um líder amado ou temido?

Saiba por que as duas opções podem destruir uma equipe e aprenda algumas maneiras de exercer bem a liderança com as dicas da professora de Harvard Linda Hill

 
Se a inspiração fosse Nicolau Maquiavel, autor do clássico "O Príncipe", todo líder escolheria ser amado e temido. Mas pela dificuldade em unir os dois sentimentos, seria preferível ser temido, porque as pessoas, na visão do escritor, não são leais.

Há quem opte por isso, mas normalmente, quem ocupa uma posição de liderança pode ter dificuldade em decidir qual tipo de relacionamento terá com os seus subordinados. Serei um chefe amigo e amado por todos ou aquele temido, que apenas cobra por resultados e não estabelece um relacionamento saudável com a equipe?

Essa escolha não precisa ser feita, segundo a americana Linda Hill, professora de Administração de Empresas da Harvard Business School (HBS) e Diretora da Iniciativa de Liderança da instituição. “Você precisa fazer com que as pessoas acreditem no seu trabalho, e que você está na equipe porque elas sabem que com você terão sucesso”, afirma a professora, que possui pós-doutorado pela HBS e Ph.D em Ciências do Comportamento pela Universidade de Chicago.

Esse líder inspiracional não precisa, no entanto, ser um visionário como o Steve Jobs, que apesar de não ser um chefe amável, era o foco das atenções e tomava a frente de todos os lançamentos de produtos da Apple.

Ele pode exercer a “liderança de retaguarda”, aquela que cria um contexto capaz de fazer com que a equipe se auto-gerencie. “Esse tipo de relacionamento proporciona a construção de uma rede que faz as pessoas se sentirem confortáveis para se expressar e compartilhar novas perspectivas, o que é ótimo para o mercado atual”, diz a professora.

Ela esteve no Brasil no dia 1º de agosto para falar de liderança durante o Summit – Entre Líderes, em São Paulo, evento realizado pela empresa de educação corporativa MindQuest. Ela conversou com Época NEGÓCIOS por e-mail sobre o tema.


Como ser um líder carismático e ao mesmo tempo exigir resultados da equipe?

Muitas vezes as pessoas ficam confusas sobre o tipo de relacionamento que devem ter com a equipe como um líder. O erro mais comum é escolher entre ser amado como amigo ou temido como chefe. Então, como influenciar os outros a serem produtivos? Você precisa fazer com que as pessoas acreditem no seu trabalho, e que você está na equipe porque elas sabem que com você elas terão sucesso. A confiança é a base de todas as formas de influência que não são repressoras e você precisa saber promovê-la. A gestão realmente começa a partir de quem você é como pessoa.


Qual a diferença entre “ser um líder” e “ser apenas um chefe”?

Ser um líder é muito mais do que delegar um trabalho. Você precisa ser respeitado pela equipe por suas habilidades profissionais e pelos resultados que seu time alcançou com a sua orientação. Você precisa trabalhar o seu time, elevar o potencial dele e fazer com que ele se sinta confiante sobre seu trabalho na organização.


Você poderia dar um exemplo?

Tem um ótimo exemplo para isso. José, que liderava um departamento de marketing, me contou sobre dois gerentes que trabalhavam para ele em uma grande fabricante de bens duráveis. Ambos lutavam para alcançar os resultados esperados de suas equipes e ambos também tinham problemas de relacionamento dentro de seus times. Um dos gerentes era totalmente o oposto do “ser apenas chefe” e odiava quando as pessoas se referiam a ele dessa maneira. Ele queria ser adorado, então tentou construir boas relações pessoais. Ele dizia aos seus subordinados: “Faça o que eu peço porque somos amigos”. Isso funcionou por algum tempo, mas não durou muito. Chegou um momento em que ele promoveu um “amigo” e negou a um outro um bônus. Naturalmente, esse funcionário se sentiu traído e a insatisfação começou a envenenar o restante do grupo. O outro gerente era o oposto, com ele tudo era negócio. Ele não conversava com os funcionários, nem os tratava bem. Para ele, apenas os resultados importavam, e ele era o chefe porque era o único que sabia o que precisava ser feito e a sua equipe era apenas uma “executora”. Não surpreendentemente, a sua mensagem sempre era “Faça isso porque eu sou o chefe”. Ele foi eficaz – até as pessoas começarem a sair. Se a influência não surge de um líder “amigo” ou de um “temido”, de onde ela vem? Repito: da confiança das pessoas em seu líder. A confiança é base para todas as formas de influência.


Muitos especialistas acreditam que, em um futuro próximo, as companhias não terão mais líderes. A senhora acredita nesse cenário?

Os caminhos da liderança são completamente mutáveis. O que se pratica hoje pode não ser praticado amanhã. Então, precisamos prestar atenção nas novas necessidades do mercado. Atualmente, acredito no conceito de “liderança da retaguarda” (leading from behind), que é o líder low profile (aquele não gosta de aparecer muito). Comecei a ter essa ideia quanto trabalhei em um projeto na África do Sul. Quanto estive lá, reli a autobiografia de Nelson Mandela, que fala da “liderança de retaguarda”. E o que ele descreve basicamente é que o líder deve criar um contexto em que os outros serão capazes de conduzir as situações. Então, o foco não é tanto quem está liderando, mas, sim, se está sendo criado um contexto capaz de fazer com que as pessoas possam exercer a liderança. Em vez de ver a si mesmo como um visionário, você se vê na retaguarda, criando esse contexto e ajudando as pessoas a obter sucesso. Esse tipo de relacionamento proporciona a construção de uma rede que faz as pessoas se sentirem confortáveis para se expressar e compartilhar novas perspectivas, o que é ótimo para o mercado atual.


Qualquer pessoa pode ser líder?

Não é fácil. Algumas vezes você está fazendo tudo certo, mostrando valores, alcançando resultados rapidamente, dominando novas áreas de especialização e enfrentando desafios cada vez mais complexos e mesmo assim não é reconhecido. Você pode abraçar a cultura e os valores da sua organização e dedicar-se totalmente ao seu trabalho, mas se você não tiver o talento e as características necessárias para exercer a liderança, você não conseguirá chegar lá. Esse tipo de talento reúne quatro características: disposição para buscar a excelência; capacidade de aprender rapidamente (a capacidade para ter novas ideias, absorvê-las e traduzir o novo aprendizado em uma ação produtiva); espírito empreendedor (assumir desafios periodicamente para sair de sua zona de conforto e crescer) e saber sentir o ‘timing’ para fazer as coisas e ler as situações e oportunidades – ou seja, detectar oportunidades e obstáculos.


Afinal, o que significa liderança?

É ter clareza do que é importante e saber onde você e seu grupo querem estar no futuro. É preciso um modelo mental que te possibilite enxergar acima do caos e encaixar todas as peças bagunçadas no momento em que elas chegam a você. O caminho para pensar assim começa com uma definição: gestão é a responsabilidade de garantir a performance de um grupo. É uma ideia simples, ainda que colocá-la em prática seja difícil. A gestão é definida pela responsabilidade, mas precisa de um exercício de influência. Para influenciar as pessoas, é preciso fazer a diferença, não apenas no que você faz, mas também nos pensamentos e sentimentos que dirigem as suas ações.


Como identificar um futuro líder?

Um futuro líder supera consistentemente e significativamente os colegas em uma série de características e circunstâncias. Enquanto ele alcança esses níveis superiores de desempenho, ele exibe comportamentos que refletem a cultura e os valores de sua empresa de maneira exemplar. Além disso, ele mostra uma forte capacidade para crescer e ter sucesso ao longo de sua carreira dentro da organização mais rapidamente e de forma mais eficaz do que o restante do grupo. Gerentes de RH e executivos deveriam identificar esses funcionários com alto potencial o mais rápido possível e investir no crescimento deles.



O que um líder nunca deve fazer?

Primeiramente, um líder nunca deve estar satisfeito consigo mesmo. A maioria dos chefes alcança certo nível de eficiência e param por aí, aquém do que poderiam e deveriam ser. Outro erro é subestimar os desafios da transformação de suas atividades desempenhadas. Muitos gerentes subestimam o tempo e esforço necessários para manter o crescimento e o desenvolvimento. Tornar-se um grande líder é um processo longo, de difícil aprendizagem e mudança. E esse processo é principalmente influenciado pela experiência pessoal.


Como melhorar o desempenho da equipe?

Muitos líderes negligenciam as possibilidades de criar uma verdadeira equipe. Eles não percebem que a liderança individual não funciona da mesma forma que a gestão de um grupo. É possível influenciar o comportamento individual com muito mais eficácia por meio do grupo, porque a maioria das pessoas são criaturas sociais que querem se encaixar e serem aceitas como parte da equipe. Uma equipe unida é muito mais criativa e produtiva do que grupos de indivíduos que apenas cooperam. Em um verdadeiro time, os membros são conjuntamente responsáveis e compartilham a convicção genuína de que eles terão sucesso ou falharão juntos. A cultura do time é igualmente importante. O membro do grupo precisa saber quais coisas são exigidas dele individual e coletivamente: quais são os valores do grupo, as normas, os padrões, como deve trabalhar em grupo (quais tipos de conflitos são aceitáveis ou não, por exemplo), e como ele deve se comunicar. Líderes eficazes também sabem que mesmo em uma equipe coesa, não se pode ignorar os membros individuais. Qualquer pessoa quer ser um membro valioso dentro do grupo e precisa de reconhecimento individual.


Qual executivo a senhora poderia indicar como exemplo de liderança?

Jackie Goodwin, uma executiva da área financeira considerada de alto potencial. Ela iniciou sua carreira na divisão de seguros, mas queria mudar para o setor bancário, porque percebeu que teria mais espaço para crescer. Quando Jackie foi convidada para ocupar o cargo de vice-presidente e chefe operacional regional do segundo maior banco europeu, na Alemanha, ela aceitou, mesmo com vários fatores contra ela. Ninguém tinha ouvido falar dela e ela conhecia muito pouco sobre bancos. Seu grande desafio foi ganhar credibilidade. Ela então definiu como prioridade ajudar os seus novos colegas de trabalho. Nas suas primeiras três semanas, ela conheceu dezenas de gerentes e reconheceu abertamente que estava aprendendo. Depois buscou resolver questões espinhosas. Uma delas foi agilizar o processo para a criação de novas contas, diante de um chefe que não acreditava nela. Ela ganhou a reputação de alguém que solucionava problemas e sua influência cresceu fortemente. Hoje, Jackie comanda todos os empréstimos comerciais do banco e é considerada um talento em ascensão.


Como saber se uma pessoa não tem perfil de líder?

Não é fácil, na verdade. É um problema motivacional ou uma habilidade? Se a pessoa não estiver disposta a crescer, ela não estará apta a ser um bom líder. Ninguém irá lhe ensinar como liderar. A liderança é um processo de auto-desenvolvimento.


Podemos educar as crianças para se tornarem líderes? Como?

Sim e devemos educá-las, proporcionando-lhes suporte para terem autonomia. E também as encorajando a serem aprendizes ao longo da vida, desenvolvendo suas habilidades, a capacidade de compreensão e a trabalhar com diversas pessoas. Ensiná-las a serem abertas a todo tipo de aprendizagem, em vez de ficarem na defensiva quando receberem um feedback.



Fonte: ÉPOCA Negócios
06/08/2012

Um comentário:

Unknown disse...

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