sexta-feira, 8 de março de 2013

Liderança Feminina

O "Valor" publica hoje, "Dia Internacional da Mulher”, a terceira edição do especial "Valor Liderança - Executivas", com pesquisa feita em parceria com a Egon Zehnder, que indica as dez melhores gestoras do país. Elas foram escolhidas por um júri composto por representantes da academia, de consultorias e do setor empresarial. Para a escolha, foram levadas em conta a complexidade da gestão, o tempo no cargo, mudanças de impacto no negócio, o desempenho financeiro, o grau de inovação e a reputação das empresas sob comando das executivas.


As eleitas deste ano são (em pé, da esquerda para direta): Celina Antunes (Cushman & Wakefield), Carla Schmitzberger (Alpargatas), Eliana Tameirão (Genzyme), Liliana Aufiero (Lupo), Luiza Helena Trajano (Magazine Luiza), Graça Foster (Petrobras) e Maria Eduarda Kertész (Johnson & Johnson); (sentadas, da esquerda para direita): Chieko Aoki (Blue Tree Hotels), Tania Cosentino (Schneider Electric) e Andrea Alvares (Pepsico).


Liderança Feminina

Por: Stela Campos

Autoconfiantes, duronas, femininas, democráticas, focadas em resultado e boas formadoras de equipes. Essas são algumas das características atribuídas por especialistas em liderança às executivas brasileiras. Embora nacionalidade e gênero não sejam, segundo eles, determinantes na avaliação dos bons administradores, não há como negar que as gestoras do país têm uma habilidade bastante valorizada no mundo corporativo moderno: a resiliência. Soma-se a ela a versatilidade adquirida em cenários de mudanças rápidas na economia. Além disso, outra marca desse grupo é a criatividade, incentivada pela constante busca por soluções inovadoras, quase sempre com poucos recursos e em ambientes altamente regulados.

As dez gestoras eleitas nesta terceira edição do especial "Valor Liderança - Executivas" são exemplos desse tipo de profissional. A pesquisa foi realizada pelo Valor em parceria com a consultoria Egon Zehnder e com a ajuda de um júri formado por consultores e representantes da academia. As gestoras foram escolhidas por suas reconhecidas habilidades em conduzir negócios no país. Nas próximas páginas, estão as histórias por trás de cada uma delas, o que as diferencia no mercado e como foi o caminho trilhado até o alto escalão.

Nos últimos anos, a gestão feminina tem sido tema constante em estudos acadêmicos. As análises aumentam à medida que elas avançam, ainda que timidamente, em direção aos postos mais importantes das companhias - no Brasil elas representam apenas 5% dos presidentes de empresas e 20% dos diretores. Certos comportamentos atribuídos ao estilo feminino de comando vêm se destacando no mundo corporativo até mesmo como mais adequados em um contexto de trabalho atual cada vez mais complexo. A nova receita para o sucesso nas organizações passa pelo aprimoramento técnico, mas também pelo desenvolvimento da inteligência intuitiva, da boa comunicação e pela disposição de atuar em conjunto e olhar de forma mais humana as relações no trabalho.

As chamadas "soft skills", que incluem as habilidades de ouvir, intuir e se sensibilizar com o outro, estão em alta. "A afetividade é importante, mas essas competências sem o domínio técnico não se sustentam", alerta a consultora Betania Tanure. "Ninguém cala ou minimiza um profissional que fundamenta suas ações com conhecimento, fatos e dados", diz Graça Foster, presidente da Petrobras. A executiva diz que seu estilo de comando é pautado pela objetividade. De suas equipes ela exige argumentação técnica e econômica na apresentação de qualquer proposta. Graça segue à risca o que cobra. Para cada reunião, externa ou interna, ela reúne o maior número de informações possível. "O despreparo toma muito tempo", diz.

Carla Schmitzberger, da Alpargatas, também segue essa prática. Ela acredita que assim consegue compreender com maior profundidade o negócio, o que a ajuda a decidir intuitivamente. As gestoras, segundo os especialistas, tendem a fazer essa mistura entre o lado técnico e o sensitivo com mais naturalidade. Eles ressaltam, no entanto, que o ponto de equilíbrio entre os dois mundos precisa ser atingido. "Quem entende o lado 'hard' apresenta bons resultados para a companhia no curto prazo. Mas quem consegue somar a ele o lado 'soft' tem mais chance de construir o futuro", diz Betania.

Em alguns setores da economia do país, como os de infraestrutura e elétrico, por exemplo, a ascensão feminina ao poder é mais rara. Existem exceções, como a própria Graça Foster ou Tania Cosentino, da Schneider Electric, mas elas são minoria. O headhunter Luiz Carlos Cabrera, da PMC Amrop, diz que mesmo os segmentos em que teoricamente o olhar feminino no comando seria importante, como os de educação e saúde, ainda não abriram espaço para as mulheres executivas. Em seu escritório, os pedidos de grandes companhias de candidatos para CEOs não excluem candidatas, mas dos dez presidentes que ajudou a contratar em 2012 nenhum era mulher. Em alguns casos, como no recrutamento para os conselhos de administração, Cabrera revela que existem pedidos para que elas sejam incluídas nos processos de seleção, mas a incidência de aprovação é ínfima.

O sistema de cotas para incluir mulheres em conselhos de administração em países como a Noruega, onde mais de 40% das cadeiras já são ocupadas por elas, ainda é polêmico. Há quem o defenda e quem o acuse de promover gestoras despreparadas apenas para o preenchimento de vagas. "Não sei se gosto, mas aprovo o resultado que ele provoca. Nos últimos dez anos, quando começaram as regulamentações, as coisas andaram para as mulheres. Isso é inegável", diz Herminia Ibarra, professora da escola de negócios Insead. Ela afirma que o avanço lento das executivas no alto escalão se deve a uma evasão das profissionais no meio do caminho. De acordo com a especialista, no mundo, em média, entram nas companhias 50% de mulheres. Já nos níveis intermediários, essa participação cai para 30% e, um nível acima, nas diretorias, ela chega a apenas 15%. Quando se observa a presidência, elas ocupam apenas 4% dos cargos.

As razões que desviam as jovens e as desencorajam a tentar romper o chamado "teto de vidro", que as separa do topo das organizações, são muitas. A principal, porém, é que como mulheres, geralmente, elas administram diversos papéis dentro e fora dos escritórios. As companhias, por sua vez, ainda não desenvolveram um número de ações efetivas que as ajude a equilibrar, por exemplo, a maternidade e o trabalho - como o "home office" ou a jornada de meio período. É fato que, hoje, a busca por uma melhor equação entre vida pessoal e profissional é uma demanda também dos homens, uma vez que o ritmo alucinado de trabalho imposto pelo grande fluxo de informações e pelos avanços tecnológicos incomoda ambos. Tudo isso, porém, tende a pesar mais na conta das mulheres.

O apoio de pessoas contratadas para cuidar da casa e dos filhos, que sempre foi uma vantagem competitiva das executivas brasileiras em relação às europeias e americanas, por exemplo, parece estar com os dias contados. "Por uma pressão social, as relações de trabalho doméstico estão se profissionalizando e as famílias vão precisar se adaptar a uma nova realidade", diz Regina Madalozzo, professora do Insper. "Com o país crescendo, as empregadas e as babás vão deixar de existir e as mulheres não vão ter escolha. Ou vão para o lado da casa, cuidar do filho, ou para o da carreira. Elas podem tentar, mas a chance de o casamento terminar ou de acabar não tendo filhos é grande", diz Celina Antunes, presidente da Cushman & Wakefield.

As garotas que estão decididas a mudar esse cenário e conquistar os primeiros postos das companhias parecem estar cientes dessas limitações e das conquistas da geração de executivas que hoje está na casa dos 40 aos 50 e tantos anos. "Vejo essas jovens chegando muito bem preparadas ao mercado, falando três línguas, com uma boa formação e uma carreira bem pensada. Inclusive, sabem se querem ou não ter filhos. A gente só precisa ajudá-las a amadurecer", diz Eliana Tameirão, presidente da Genzyme do Brasil.

Ainda são poucos os modelos de lideranças femininas que inspiram as mais novas. Os exemplos de sucesso são escassos em todo o mundo. Segundo dados da ONG Catalyst, mais homens do que mulheres dizem ter tido um mentor até atingir o nível executivo. As profissionais em início de carreira que desejam se tornar mães e conciliar isso com o trabalho estão buscando caminhos diferentes das gerações anteriores. "Elas sabem que não querem ser escravas do emprego, mas ter tempo para ver as suas crianças", diz Herminia Ibarra, do Insead.

O que limita a participação feminina no topo das organizações, no entanto, nem sempre está sob o controle da mulher. A profissional, no geral, é muito mais observada e julgada no ambiente de trabalho que seus colegas desde o início da carreira. Quanto mais ela sobe, maior é a lupa sobre cada gesto e cada atitude. "As mulheres ainda precisam provar ao mercado a sua capacidade com muito mais afinco que os homens", diz Chieko Aoki, presidente da rede de hotéis Blue Tree.

A economista Sylvia Hewlett, fundadora do Center for Work-Life Policy, realizou um estudo com 268 executivos seniores no qual mostra que os dois fatores que ajudam os executivos a ter uma presença mais consistente no mercado, tanto para homens quanto mulheres, são a comunicação e a aparência. "A maneira como as profissionais se apresentam e a sua linguagem corporal são muito importantes, pois elas sofrem críticas mais duras. Você é fashion demais, tradicional demais, muito jovem ou muito velha", diz. Para tirar isso de letra, é preciso ler o "dress code" da organização, segundo Sylvia.

Cabrera diz que uma mudança observada na última década é que as executivas brasileiras já não têm medo de ser mais femininas. Aos poucos, elas foram deixando "as ombreiras dos anos 1980" de lado e assumindo a vaidade. "Aquela imagem da mulher de blazer escuro para ocupar seu espaço mudou", observa Eliana Tameirão, da Genzyme.

O homem pode ser duro e adorado, ao mesmo tempo, afirma Herminia. A mulher, por outro lado, vai ser mais criticada também por suas atitudes. "Não importa se ela é doce ou agressiva, por exemplo. Tudo pode ser mal interpretado."

A consultora Betania Tanure lembra que se a mulher não for firme e adotar um estilo mais combativo dificilmente subirá em uma empresa de um setor mais tradicional no Brasil. "São companhias muito hierarquizadas. As executivas acabam precisando assumir uma postura mais autoritária", diz. Para Sylvia Hewlett, a atitude "tough" só pode ser adotada se for verdadeira - o que para algumas mulheres pode ser muito difícil, pois vai contra um instinto natural de ser mais afável.

O estilo de liderança das executivas brasileiras, segundo levantamento realizado pelo Hay Group, está mais para democrático (participativo) e afetivo (põe as pessoas em primeiro lugar), embora o que mais se sobreponha seja o modelador ("vejam como eu faço e sigam meu exemplo"). "Elas se preocupam com o grupo, com a vida pessoal de cada um na companhia, e querem estabelecer uma relação de confiança e harmonia", afirma Caroline Marcon, gerente da consultoria. Liliana Aufiero, presidente da Lupo, considera uma importante competência da gestão se colocar no lugar do funcionário. "É bom saber o que a pessoa pensa, como que ela age e o que a leva a fazer as coisas", afirma.

"A mulher é menos hierárquica e mais colaborativa. Joga mais um jogo coletivo do que de poder", diz Andrea Alvares, presidente da Pepsico. "O que dá errado, às vezes, é quando elas assumem o papel de mãezona." O tipo de comando a ser aplicado, segundo ela, depende do grau de amadurecimento da equipe. Para Tania Cosentino, presidente da Schneider Electric, trabalhar o desenvolvimento do time deve ser uma prioridade para o gestor.

Luisa Delgado, executiva da SAP, que já comandou empresas na Suécia e em Portugal, observa que existe uma preocupação das executivas brasileiras em construir relações duradouras, de médio e longo prazos, não apenas com os empregados, mas também com outros públicos, como os clientes, fornecedores e a comunidade. "Elas fazem essa ponte naturalmente, o que é bastante produtivo para os negócios."

A nacionalidade do dirigente não determina hoje a forma de liderança na organização. Cada vez mais globais, as grandes companhias possuem uma cultura organizacional tão forte que sobressai ao estilo de gestão de seus executivos - independentemente do lugar onde a companhia está instalada. "Os valores é que contam e não a origem do comandante. Nesse cenário de internacionalização dos talentos, as diferenças estão diminuindo", diz Luisa. Portanto, a capacidade do dirigente de se adaptar ao "modus operandi" da companhia é o que interessa.

No quesito flexibilidade, as mulheres conseguem se destacar. "Por serem historicamente uma minoria, as profissionais desenvolveram uma grande habilidade de se adaptar", diz Margarita Bayo, do IE Business School. Outra característica atribuída às mulheres é a maior disposição em admitir erros e realizar uma alteração de rota. Em estudo conduzido recentemente com 169 jovens profissionais, a professora observou que, embora homens e mulheres no comando apresentem o mesmo ego inflado, as mulheres estão mais dispostas a mudar seu comportamento após ouvir a opinião de seus pares e equipes. "Em seis meses, elas começam a promover pequenas mudanças relacionadas às críticas ouvidas, enquanto os homens não mudam nada", conta.

"Com o passar do tempo, você vai se cercando de pessoas que evitam dizer coisas que possam desagradar. Por isso, muitas vezes, vou na base da empresa atrás de quem pode me dizer o que não quero ouvir", diz Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza. Para Maria Eduarda Kertész, da Johnson & Johnson, entre as habilidades que os gestores terão que aprimorar para o futuro está justamente a disposição para lidar com o julgamento dos outros. Mas isso faz parte do ônus de querer pôr em prática uma administração mais participativa. Independentemente de gênero e dos estereótipos atribuídos a eles, a gestão de pessoas nunca foi uma tarefa fácil. "Os heróis não existem e os líderes não têm todas as respostas", diz Maria Eduarda.


Fonte: Valor Econômico
08/03/2013

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