sábado, 4 de maio de 2013

Sua receita é ser comum

Por: Daniela D'Ambrosio | Para o Valor, de São Paulo
 
Gostou? Então anota aí - ela diria. Pegue um sotaque interiorano, acrescente uma porção de informalidade com uma generosa dose de simplicidade. Coloque duas pitadas de carisma, duas colheres de determinação e polvilhe tudo com muita transparência. Tempere com atitude, reserve a prepotência. Coloque a mão na massa. A receita que Luiza Helena Trajano serve há mais de quatro décadas no varejo de eletroeletrônicos, à frente do Magazine Luiza, não tem ingrediente secreto. Nenhum. Mas é aquele típico prato que muda de sabor na mão de quem sabe fazer.
 
Luiza adora uma receita. Sábia e oportunamente, interrompe a nossa conversa - mais com cara de uma boa prosa - para passar duas delas: molho de cebola e um chá que acabou de aprender. Ela detesta chá, mas aprendeu um tão bom que ensina a todo mundo. Ah, ela tem até receita de alimentação para as futuras mães que querem dar um empurrão no destino para acertar o sexo do bebê. Luiza é assim. A receita pode estar na ponta da língua, mas o discurso não é pronto, a frase não é feita, a assinatura do e-mail não é padrão.
 
É claro que ela vende a si própria e suas ideias com a mesma competência que vendeu milhares de geladeiras, televisores e - seu maior negócio - parte das ações do Magazine Luiza ao mercado. Só que Luiza tem aquele raro dom de usar o jeito simples e a fala coloquial para tratar de assuntos complexos. Parece estar comprometida apenas com a espontaneidade.
 
Em pouco tempo de conversa, Luiza Trajano, de tão familiar, pode se parecer com aquela sua vizinha do interior. Mas, muito provavelmente, a sua vizinha não é a sócia majoritária de uma empresa com faturamento de R$ 9,1 bilhões no ano passado, 734 lojas - na segunda-feira estava avaliada em R$ 1,345 bilhão na Bolsa de Valores de São Paulo.
 
O ambiente ajuda. Luiza está em casa. No Brasil a Gosto, restaurante de comida brasileira da filha Ana Luiza Trajano. Ana Luiza, terceira geração de mulheres obstinadas de mesmo nome, não poderá nos acompanhar porque está em casa, queimando numa febre de 39 graus. Almoço sem tempero? Tentamos uma nova data, mas a agenda está complicada e é melhor não deixar Luiza escapar depois de três meses de espera e um almoço já remarcado. Ainda que não estejam ali, as Luizas da família Trajano vão entrar na nossa conversa e sair dela o tempo todo.
 
A mesa da "dona Luiza" fica no salão superior do aconchegante restaurante, mistura agradável de simplicidade e refinamento. É no andar de cima onde estão expostos típicos objetos folclóricos, fotos e o livro batizado com o nome do restaurante. Projeto que nasceu em uma viagem de Ana Luiza a mais de 20 Estados brasileiros. O restaurante, citado no americano "The New York Times" como o melhor prato de comida brasileira, é uma miscelânea de sotaques. Na mesa ao lado, o garçom explica com inglês respeitável a brasilidade quase sem tradução do cardápio. E faria o mesmo algum tempo depois. Em francês.
 
Luiza chega. Pequena, afável, sorriso aberto. Na ausência da filha, conversa entabulada há menos de um minuto, vai logo se adiantando e pergunta o que gostamos de comer. Peixe, carne? E enumera as sugestões, enquanto belisca os biscoitos de polvilho do couvert - chamado mix de petiscos - já servido. Protagonista absoluta desse clã, Luiza Helena vai portar-se o tempo todo como anfitriã - só virá a saber que é convidada deste "À Mesa com o Valor" duas horas mais tarde, quando chegarmos ao cafezinho.
 
 

Luiza no Brasil a Gosto: "Sou de uma família de gente que adora o trabalho pelo trabalho em si"


Essa história começa em Franca - cidade de 330 mil habitantes, a 400 quilômetros de São Paulo. E nossa conversa também. A rede sempre foi forte no interior paulista, mas as lojas só vieram para a capital - 44 de uma vez - em 2008 e a sede administrativa foi transferida, com 300 famílias, há dois anos. Foi quando Luiza se mudou para São Paulo. Depois de perguntar à repórter sobre sua ascendência, ela conta rapidamente do avô baiano, mas logo emenda: "Sou bem de Franca mesmo". Foi lá que nasceram todas as Luizas. De todas as gerações. Pessoa física e jurídica.
 
A "matriarca" dessa história é Luiza Trajano Donato, a tia Luiza, que comprou com o marido, Pelegrino José Donato, a rede Cristaleira e logo tratou de pôr o seu nome na loja. Também foi ela, quando o magazine ainda não existia, quem insistiu para que o cunhado pusesse na menina que viria a ser sua sucessora o nome de Luiza. Como ele queria Helena, batizou a filha com os dois nomes. "Eu tive na realidade duas mães, a tia Luiza não teve filhos", conta.
 
Tia Luiza tem 84 anos, mora em Franca e deixou de trabalhar no magazine há apenas três. "Ela me liga várias vezes por dia. Não quer saber muito mais da empresa, não, agora quer saber mais de mim." Da tia herdou a coragem, a ousadia e a capacidade de resolver problemas. Da mãe - que morreu aos 62 anos de ataque cardíaco - o legado foi a capacidade de entender e valorizar o outro, trocar de papel quando necessário. Ensinamento que Luiza fez questão de estampar no crachá dos funcionários. "Faça aos outros o que gostaria que fizessem a você."
 
Luiza é filha única. O que, garante, lhe deu uma excelente autoestima. "São as vantagens de não ter dividido." Não teve infância humilde, como a mãe e as tias. Estudou em colégio particular, viajou cedo para o exterior. O pai era dono de um armazém de secos e molhados, mas o seu primeiro emprego, aos 12 anos, foi na loja da tia. Não adianta perguntar muito sobre a infância porque ela avança no tempo. Gosta mesmo é de falar sobre a fase precoce que a fez descobrir os dois prazeres soberanos da sua trajetória: vender e lidar com pessoas. Sem irmãos, sempre gostou de presentear a família e os amigos e foi para o magazine num mês de dezembro. Trocou a comissão por presentes e ainda sobrou dinheiro para colocar na poupança. Pegou gosto pelo balcão, passou a ir para a loja todas as férias e nunca mais parou. "Sou de uma família de gente que adora o trabalho pelo trabalho em si, não porque o trabalho vai dar dinheiro. Lógico que a gente quer ganhar, mas não é uma coisa assim 'vou trabalhar para poder ter dinheiro'. A gente ama produzir."
 
A entrada chega para ser compartilhada. A garçonete traz um mimo. Uma salada de lula e polvo com castanha de caju, além de garoupa defumada com beterraba e gomos de tangerina. Ana Luiza não se inspirou na mãe para cozinhar - embora Luiza saiba o ofício e goste dele. A memória olfativa de temperos e a quentura aconchegante das panelas no fogo Ana Luiza resgatou da avó paterna. "É um talento bem dela mesmo, desde os 8 anos, subia no banquinho para fazer macarrão e chamava os amigos." Mas a dona do magazine garante que se sai bem fazendo um frango caipira e macarrão al limone, ensinado pela filha.
 
Apesar do gosto das Luizas pela cozinha, o que prevalece no Natal dos Trajano é a leitoa à pururuca preparada pela tia. É sagrado. Tia Luiza ainda comanda a ceia, mas a rede que fundou ela entregou para a sobrinha administrar em 1991. Quando assumiu, o magazine tinha 30 lojas e Luiza já tinha passado por praticamente todas as áreas da rede varejista. Formada em direito e administração em Franca, concentrou-se na gestão de pessoas e aproveitou o jeito naturalmente acessível para cativar os funcionários - a porta da sua sala ficava sempre aberta. Passou a chamar todos os funcionários (inclusive diretores e ela própria) de vendedores nos cartões de visita. "Sou de uma família de vendedores; para mim não é falta de status. Vender não é ser desonesto, é realizar o sonho de alguém. A gente vende tudo na vida o tempo todo", diz Luiza, muito assediada para vender as suas receitas - empresariais - em palestras.
 
Mas ela não requenta conceitos do velho cardápio corporativo. Ela os cria antes de se tornarem jargões que ela provavelmente não vai usar. Nessa mesma época, derrubou paredes do escritório, trouxe para o Brasil as insanas liquidações relâmpago de redes americanas e inglesas e inventou uma tal de uma loja eletrônica, pequena e sem mostruário, que vendia geladeira e fogão pela televisão. Tinha horas e horas de imagens de produtos gravadas em fitas de videocassete. Muito antes da internet. "Achavam que eu era louca. A gente dizia: 'Venham conhecer a loja do ano 2000' e era 1991."



Ser vendedora, como Luiza se define, não é algo sem status: "Vender é realizar o sonho de alguém"

Aos poucos, a rede de Franca comandada por uma vendedora orgulhosa do título, com um estilo de gestão simples e ideias sofisticadas, começou a incomodar gente grande e com escala nacional. Começou a ganhar fama a tal reunião das segundas-feiras nas quais os funcionários cantam o Hino Nacional e rezam.
 
O chamado Rito de Comunhão do Magazine Luiza é quase mítico. Chegou a ser descrito na página 437 do prospecto de abertura de capital da companhia (documento destinado a investidores). Diz tanto sobre a personalidade de Luiza que a repórter pede licença ao leitor para sair da mesa e abrir um parêntese - na verdade dois parágrafos - para testemunhar a cerimônia.
 
São quase 8 horas na rua Direita, centro paulistano - cenário um tanto diferente da acanhada rua do restaurante Brasil a Gosto, no sofisticado bairro dos Jardins. Em uma sala apertada do segundo andar do Magazine Luiza - portas ainda fechadas ao público -, os funcionários se preparam para começar o rito. Bandeira do Brasil e do magazine são colocadas lado a lado. Primeiro o Hino Nacional. Inteirinho, versão completa. Na sequência, entra o Hino do Magazine e a sobriedade de antes se esvai com as palmas e o ritmo dançante. Em estilo gospel, eles entoam: "O prazer de fazer é tão grande que o medo de errar se esvanece e a cada conquista se cresce um pouco mais... Nossa casa é o trabalho, é um só mundo, um só lugar... ML quer dizer Minha Luta e também Meu Lar..."
 
Os novatos ainda se intimidam, mas cantam. Os veteranos parecem mais entusiasmados. Terminada a cantoria, chega a hora dos números. A cobrança é forte. O valor que deve ser vendido no dia é repetido um tanto de vezes. O nome de cada um que bateu as metas no dia anterior também é grifado. Depois, um grupo apresenta uma dinâmica e, por fim, todos rezam o pai-nosso de mãos dadas. O "amém" é sucedido por um sonoro grito de guerra. Nelson da Silva, de 54 anos, 33 de vendas e 5 no Magazine Luiza ressalta: "Aqui é diferente. Tem cobrança, mas tem muita comunicação e a Luiza procura ter um contato mais familiar. Ela abraçou e tirou fotos com a gente na inauguração".
 
A empresária celebridade vai menos do que gostaria às lojas porque é muito assediada. "É até chato falar isso, cuidado como coloca", avisa. Mas a reverência a Luiza está no ar. E essa devoção está justamente no fato de ela estar à distância de um "enter" do correio eletrônico. Faz questão de manter um canal aberto tanto com os funcionários quanto com clientes por um e-mail que ela própria responde - o que pode acontecer à 1 hora, se estiver acordada -, apesar das secretárias que ficam na retaguarda para encaminhar os problemas. "Detesto resposta pré-fabricada."
 
No Twitter, a @luizatrajano é bastante ativa. Manda abraço e pede perdão quando recebe reclamações. "Nunca tiro de mim a responsabilidade", diz. "Não aceito falta de respeito ao cliente. Ele é nosso patrão, é ele que paga o nosso salário." Você é chefe do tipo mandona? Brava? "Sou de somar, mas graças a Deus tenho autoridade", entrega. "O que eu não gosto é de gente que se justifica demais. Fala que errou ou nem fala nada e diz que vai fazer o certo. Mas, se começar a se explicar demais, eu saio do sério."


"Eu não tenho isso de não posso porque o momento não permite"


Luiza hoje é presidente da companhia, mas quem está envolvido diretamente com a parte operacional é o CEO, Marcelo Silva. "Eu fico mais na área estratégica, na cultura, o único dia a dia que eu tenho é o SAC [Serviço de Atendimento ao Cliente]." O contato direto com clientes e funcionários foi uma forma eficiente que Luiza encontrou de se manter informada dos problemas, apesar do tamanho do negócio. "Quando você tem um cargo alto, as pessoas começam a te falar só aquilo que você quer ouvir e como eu tenho uma linha direta com o campo eu fico sabendo de muita coisa."
 
A cobrança, agora, também é muito maior. Vem do mercado. Em abril de 2001, o Magazine Luiza abriu o seu capital - com alguma resistência da tia Luiza, é verdade, que não gosta muito de vender o que é seu - e levantou R$ 886,3 milhões. É hoje a segunda maior varejista de eletroeletrônicos do país, atrás do Pão de Açúcar, dono das Casas Bahia e do Ponto Frio.
 
No ano passado, a rede teve prejuízo de R$ 6,7 milhões, depois de ter dado lucro de R$ 11,7 milhões em 2011. As despesas aumentaram com o processo de integração da rede nordestina Maia (comprada em 2011) e do Baú (adquirido do grupo Silvio Santos em 2012) e atingiram o resultado. Em conferência com analistas, a rede anunciou que neste ano prefere abrir mão de vendas para privilegiar a rentabilidade. "A gente sabia que ia ter sacrifícios em resultado, mas já fizemos o que tinha que ser feito, já integramos, enxugamos. Vai ser um ano completamente diferente."
 
A vida mudou. Luiza agora lê relatórios de analistas e - o mais difícil - precisa tomar cuidado com o que diz. "O problema é que sou muito transparente, falo que é tudo verdadeiro mesmo e agora tanto o Ricardo [Carvalho, assessor que está na mesa conosco] como o nosso CEO ficam atrás de mim. Fora isso, eu lido bem porque já prestava conta, a gente aprendeu a ter sócio." Quando chegou à Bolsa, Luiza já tinha um sócio havia sete anos, o fundo Capital, dono de 11% da companhia, e auditava o balanço havia cerca de dez. O sobe e desce das ações Luiza prefere não acompanhar. Tirou do seu iPad o programa que dá a cotação on-line da MGLU3. "Não fico maníaca com o valor de ação porque tenho muita confiança no que a gente faz."
 
O capital investido em ações é o da empresa. Conservadora, seus investimentos continuam nas mãos de uma pessoa de Franca que cuida do seu patrimônio há 30 anos. "Não tenho muita ambição pessoal." Mas você está rica, não? "Não posso reclamar, mas não é o meu foco. Você tem que tomar cuidado, senão quer sempre ter mais, porque tem sempre alguém que tem mais que você."
 
Chegam os pratos. Luiza e a repórter vão de tilápia com purê de mandioquinha. O fotógrafo Régis Filho - devidamente munido de uma porção de fotos de Luiza, que parece um tanto familiarizada com os frenéticos cliques - recebe o belo abadejo grelhado e o assessor, Ricardo Carvalho, vai de virado à paulista. Luiza, que trabalha com o assessor há 16 anos, tinha incentivado Carvalho a pedir o prato. "Aí, você me dá um pedacinho." Dito e feito.
 
Luiza preserva o deleite de bom comedor, apesar da cirurgia de redução de estômago, feita há cerca de dois anos e da qual ela fala sem o menor problema ou constrangimento. Já perdeu cerca de 20 quilos. O incentivo veio do garoto-propaganda e amigo (exatamente nessa ordem) Fausto Silva. "Eu sempre fui muito magra. Casei com 49 quilos e tive os meus três filhos com 52 quilos", conta. Depois tive hipotireoidismo, mas não foi por causa disso, quero deixar bem claro, que engordei. Foi por incompetência minha. Estava difícil emagrecer, me atrapalhando a respiração e o Fausto era o amigo que dizia o que eu não queria ouvir."
 
Falamos da venda do Ponto Frio para o Pão de Açúcar, em 2009, batalha perdida para Abílio Diniz. "Todo mundo queria colocar o microfone na minha boca, como se o Abílio tivesse me oprimido. Eu estava esperando meu sócio chegar no sábado para fazer a proposta na segunda e ele colocou a proposta na mesa na sexta. Ele teve mais experiência que eu. Fiquei chateada na época, mas tenho fé e depois compramos a Maia, que nos colocou no Nordeste, e o Baú, que reforçou São Paulo e Paraná."
 
Mas o susto, ela relata, foi maior quando soube da venda de 53% da Casas Bahia para o Pão de Açúcar. "Foi uma das maiores surpresas da minha vida." E como é a concorrência com eles agora? "Sempre foi um varejista muito competente, hoje misturou com Ponto Frio, eles sabem o que estão fazendo e eu respeito. É bom ter gente competente para você brigar. Com concorrente, você tem que aprender o que ele faz de bom. Lá na empresa é proibido falar o que a outra empresa está fazendo de errado."
 
A repórter elogia o prato e Luiza aproveita a deixa para passar a receita do delicioso molho que adorna o prato. "Gostou? Então anota aí: você bate a cebola bem batidinha, depois pega a manteiga de leite e, quando esquentar, você tira aquelas bolinhas, sabe? Depois você joga a cebola e põe shoyu". Dica preciosa. O sabor caramelizado não dava a menor pista do molho de soja.
 
E a prosa ruma para um assunto delicado, que Luiza, no entanto, conduz com maestria. Mulher forte, fala da morte do marido, Erasmo Rodrigues, com quem viveu por 30 anos, com a mesma espontaneidade que pautou toda a conversa. Luiza não nega detalhes. Muito menos deixa reticências no ar. O tom de voz é mantido e os olhos não marejam. Mas ela traz para a mesa uma recordação saudosa. Rodrigues, que trabalhava com postos de gasolina, morreu de aneurisma abdominal. Tinham ido para um casamento no Recife e, quando chegaram a Franca, foram para a represa. Ele comprou balas para os netos, entrou com eles na piscina e foi tomar banho. O filho mais velho, Frederico (diretor de vendas e marketing da companhia) o encontrou sem vida.
 
"Ele era supercompanheiro, bonitão, se cuidava. Todo mundo achava que eu ia antes dele", diz, com tranquilidade. "Ele acolhia e não competia, vibrava com o meu sucesso, eu sempre tinha razão. Foi um ano de tristeza profunda, aquele escuro dentro de mim."




O inesperado invadiu a sua vida, mas não mudou seus planos. A empresa tinha acabado de comprar a rede Maia e estavam mudando a sede para São Paulo - no ano seguinte abririam o capital da empresa. "Eu não tenho isso de não posso porque o momento não permite. Eu sou o que sou e se tiver que esmorecer eu esmoreço." Luiza diz que só não teve depressão porque não tem a menor tendência, porque "tem o cérebro da solução" e porque tem fé. Muita fé.
 
O sabor do peixe e a apresentação dos pratos nos conduz novamente à filha Ana Luiza. Você deve ter muito orgulho de ela ter se dado tão bem numa área tão diferente, não é? "Não só dela. Eu tinha medo de os meus filhos não tocarem na banda, de não fazerem parte, de não lutar, não brigar. E os três são muito de pagar preço, de enfrentar." Frederico, o mais velho, trabalha na empresa desde os 23 anos. Estudou na Fundação Getúlio Vargas e chegou a trabalhar em banco como analista de varejo, antes de ir para o Magazine Luiza.
 
- Ele deve ser o seu sucessor?
 
- A nossa empresa é muito profissional, há três anos temos CEO. A minha preocupação sempre foi formar filhos comprometidos com a vida, com as pessoas. Meu filho é muito bom em tudo o que faz, se aprofunda. Eu sou mais intuitiva. Eu quero que ele esteja preparado para ser presidente aqui ou em qualquer outra empresa.
 
A garçonete nos oferece o mix de sobremesa, uma cortesia da casa. Vários pratinhos com doces variados, cocada de forno, bolo de chocolate, romeu e julieta. Com o paladar mais adocicado, o assunto chega ao convite da presidente Dilma Rousseff para a Secretaria da Micro e Pequena Empresa. Pela primeira vez, Luiza fica perturbada. E não esconde, claro. "Eu não queria tocar muito nesse assunto, não, porque podem usar o que eu disse." Diante da insistência, volta a falar. "Fiquei muito lisonjeada com o convite, mas nem eu dei resposta nem eles me deram. Eu acho que o mais importante, e isso eu te falo de coração mesmo, é que eu tenho como missão ajudar a pequena e microempresa. Eu acho que é a grande alternativa de desemprego no mundo, eu comecei a dar palestra por isso."
 
Chegamos ao cafezinho. A repórter pede chá. "Você gosta de chá? Eu detesto, mas vou te ensinar um que adorei. Anota aí: pega um pau de canela, um sachê de chá preto, maçã e gengibre picados. Deixa ferver e coa. Menina, parece quentão, fica divino." Voluntária do comitê organizador dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos do Rio de Janeiro, Luiza fala sobre cidadania - um dos assuntos que incorporou em suas palestras. "O brasileiro tem que entender que o Brasil nos pertence, as pessoas reclamam da rua suja, da calçada esburacada, mas ninguém faz nada. Eu canto o Hino do Brasil no magazine há 20 anos porque sou apaixonada pelo Brasil."
 
- Você, que apoia o crescimento via consumo, como avalia a questão das taxas de juros no Brasil?
 
"O Brasil é um país que tem que consumir. Só 45% dos lares de classe média têm máquina de lavar automática. O governo baixou o IPI de 20% para 10%, o que é superjusto. Sobre os juros, eu estou vendo que vai parar um pouco porque a presidente está com duas raquetes na mão: da inflação e do desenvolvimento. Ela está tentando usar as duas armas muito bem, ela não quer inflação e fica firme e todos nós queremos o desenvolvimento. Nós, empresários, temos que ter muita responsabilidade."
 
Quando a conta chega, Luiza pede para pagar. "Ah, não pode? Deixa a gente pagar. Eles acham ruim se a gente pagar?" E a repórter explica a dinâmica da seção. "Até tomei a liberdade de pedir os pratos porque achei que eu iria pagar", diz. E começa a contar que nunca debita para o magazine os almoços e jantares de negócios que faz no Brasil a Gosto. Visivelmente decepcionada, entrega os pontos. "Tudo bem, eu não vou infringir a sua norma, porque não gosto que os outros infrinjam as normas nossas. Obrigada, viu?" De nada. A receita do sucesso é sua.
 
 
Fonte: Valor Econômico (valor.com.br)
04/05/2013

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