quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Fusão entre marcas requer cuidados e estratégias

Para alguns especialistas, fusão de marcas pode diminuir a força dos concorrentes; para outros, a companhia pode estar correndo o risco de perder clientes. Confira o case Sadia e Perdigão


Se por um lado, a fusão entre Sadia e Perdigão, aprovada recentemente pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), pode ter sido estrategicamente boa para a o Grupo BRF - Brasil Foods, para alguns especialistas os riscos das integrações podem reduzir o poder de competição da empresa no mercado, resultar em aumento dos preços para o consumidor ou, ainda, na queda da qualidade dos produtos oferecidos.

O plano de marketing deve estar focado em preservar a carteira de cliente que, inevitavelmente, já está na mira dos concorrentes. Para André Torres Urdan, consultor de marketing e professor titular da FGV (Fundação Getulio Vargas), a integração entre Sadia e Perdigão foi uma decisão assertiva para todo o grupo, que passa agora a deter mais da metade dos negócios de alimentos processados e, até o momento, 80% dos congelados, pizzas e pratos prontos do Brasil. O cenário representa à companhia uma poderosa plataforma para obtenção de desempenho superior.

“Mesmo com um cenário positivo, fusões tendem a reduzir a competição e o processo tende a prejudicar a clientela, seja pela via de menor qualidade nos produtos e serviços, seja pela via de maiores preços ou até com a conjugação destas medidas”, afirma Urdan.

O especialista ressalta ainda que também é possível que os consumidores saiam ganhando com a fusão de marcas, mas será preciso estar claro na companhia o grau de transferência de valor que a empresa proporcionará aos clientes, bem como os interesses em atrair e reter novos consumidores.

Em fusões, nem sempre os interesses de acionistas e consumidores convergem e a multiplicidade de ações necessárias para a integração pode colocar em risco a orientação para o mercado, afetando negativamente o resultado financeiro com o passar do tempo. Desta forma, comparar o antes e o depois da fusão, a partir de métricas de marketing que medem a satisfação e a lealdade do cliente, é indispensável para controlar a evolução.

A BRF deixará por um bom tempo desatendidos os consumidores leais à maioria das linhas de produtos da Perdigão (por três a cinco anos) e às carnes processadas da Batavo (por três anos) e não poderá criar marcas para substituí-las, nos termos do acordo com o Cade. Isso porque o comprador tem facilidade de identificar e escolher suas marcas e produtos.

A marca é uma garantia prévia ou promessa sobre o que o cliente receberá ao adquirir e usar o produto e esse acordo gera considerável sacrifício para muita gente que incorporou tais marcas em suas vidas. As vedações não valem para o mercado externo, uma vez que a BRF buscará deslocar a preferência desses ‘órfãos’ para a marca Sadia, uma vez que precisará vender várias outras marcas menores do seu portfólio, como a Rezende e a Wilson. Já os clientes que se mantiverem comprometidos com os produtos e marcas ausentes, a comunicação da BRF deve pedir desculpas pelo transtorno, realçando ganhos maiores da fusão para todos os envolvidos”, destaca Urdan.

Para Júlio Moreira, professor de Branding da pós-graduação em Comunicação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), os consumidores podiam escolher entre as marcas, o preço e mix de produtos e com a suspensão temporária da marca Perdigão, os clientes podem optar por Sadia ou experimentar outras marcas que não eram cogitadas anteriormente.

“O desafio da BRF será impedir esta experimentação e reforçar a excelência da Sadia, marca tradicional, confiável e ‘top of mind’ de vários segmentos alimentícios. O trabalho dos concorrentes será o de mostrar que eles podem ser uma alternativa de consumo. Mas vão precisar contar suas histórias e as razões para serem comprados. Hoje, os consumidores têm mais acesso às informações e, em muitos casos, saberão que a falta de alguma de suas marcas está relacionada a este processo de fusão e tomarão suas decisões no ponto de venda”, afirma Moreira.


Arquitetura de marcas

Marca única ou portfólios independentes? Para o professor da ESPM, em um cenário de custos de mídia cada vez mais elevados, a decisão mais acertada pode ser o fortalecimento da Sadia como marca premium da empresa, reposicionando a Perdigão como a marca standard ou de combate.

“A decisão do Cade em suspender a marca Perdigão em alguns segmentos por três anos parece óbvia para uma estratégia de fortalecimento da Sadia e, mesmo depois da suspensão, dificilmente veremos a Perdigão voltar a ter a força que tinha antes da fusão, sendo utilizada para algumas linhas com o intuito de proteger o ativo em termos jurídicos. Foi assim com as marcas Sorriso e Kolynos, quando o Cade suspendeu esta última e a Colgate a adquiriu”, destaca Moreira.


Retrocesso

Para Lucia Helena Salgado, coordenadora de estudos de regulação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a decisão favorável à formação da Brasil Foods foi um retrocesso para o país em uma série de aspectos e o consumidor terá minimizado o direito de escolha entre marcas, inclusive de produtos que compõem a cesta básica das famílias brasileiras, como margarina e frango resfriado.

“A empresa terá poder de mercado para impor suas condições a todos com quem negociar, podendo elevar preços, impor restrições, bloquear a entrada de concorrentes e esmagar a margem de fornecedores. Depois, dando início a uma negociação extemporânea e atropelando as regras previstas em seu próprio regimento externo como autoridade autônoma e técnica, representando um grave dano para o interesse difuso da concorrência, direito da sociedade que é tutelado pela lei de defesa da concorrência”, afirma Lucia.

Do ponto de vista estratégico da BRF, Lucia destaca que a decisão foi muito bem arquitetada. A alienação de marcas de combate e a suspensão temporária da Perdigão fortalecerão a Sadia e facilita a extensão da marca para, inclusive, trabalhar a mudança estrutural do grupo - vendas de ativos, alienação de marcas – o que deve ocorrer após janeiro de 2012.

“As concorrentes já começam a se organizar para apresentar propostas de aquisição do pacote de ativos que serão alienados, mas isso só ocorrerá no próximo ano. Até lá, a BRF está no comando do jogo e o consumidor poderá esperar por preços mais altos."

Lucia, que também foi relatora do case Kolynos-Colgate, afirma que as duas fusões não podem ser comparadas. “No caso dos cremes dentais, o prazo de quatro anos não foi ‘tirado da cartola’, como essa suspensão da marca Perdigão por categoria de produtos, claramente negociados caso a caso”, explica. No mercado relevante de creme dental foram utilizadas informações sobre investimentos necessários, prazos e outras informações técnicas relevantes.

“Essas informações foram utilizadas em um modelo de entrada e, com base em hipóteses de rentabilidade e crescimento de mercado, verificamos qual seria o prazo mínimo necessário para uma entrante começar a realizar fluxo positivo de caixa. Assim, verificou-se quatro anos antes e criou-se a condição artificial favorável de espaço vazio no mercado, com a suspensão da marca líder Kolynos. O lançamento de outra marca pela empresa líder não seria obstáculo para um novo entrante, tanto é que, de fato, a única player global não presente no mercado brasileiro, Glaxo Smithkline, fez uso do espaço criado pela decisão e entrou no mercado brasileiro, com a marca Aquafesh, chegando a alcançar 10% do mercado relevante no período”, finaliza Lucia.


Fonte: Portal HSM
03/08/2011

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