Há um certo tempo, comecei a notar uma confusão generalizada entre os termos pequeno empresário, empreendedor e inovador. Parte da mídia e do meio acadêmico considera que os três elementos estão visceralmente ligados, sendo usados quase como sinônimos. Sim, há uma correlação entre as palavras, mas elas querem dizer coisas completamente diferentes. Usá-las sem critério pode ser perigoso por distorcer a realidade e gerar leituras míopes, que podem acabar balizando, erroneamente, as políticas públicas e privadas para o desenvolvimento das PMEs.
O Brasil tem cerca de 6 milhões de negócios de pequeno e médio porte. Eles somam 99% das empresas do país e, naturalmente, não podem ser classificados em uma única categoria. A maioria dos pequenos é formada por negócios comuns, que pouco têm de inovação. Está muito disseminada a imagem romântica do pequeno empresário que vai revolucionar a sociedade com um achado tecnológico. Mas poucos humanos são como Mark Zuckerberg, fundador do Facebook. A maior parte dos pequenos atua em setores mais tradicionais da economia, como varejo, serviços e indústria. A tecnologia não é sua atividade-fim. No fim do dia, eles só querem fechar o caixa com dinheiro suficiente para manter o negócio funcionando e gerar algum lucro.
Não é demérito nenhum ter um negócio que não seja tecnológico ou inovador. O Brasil tem um mercado interno gigantesco e comporta muitas novas empresas, apesar da concorrência pesada. Ter uma startup digital não é a única maneira de ter sucesso nos negócios (aliás, não é garantia nenhuma). Mas quem está antenado no mundo do empreendedorismo pode acabar induzido a esse raciocínio errado.
O que vejo em reportagens, trabalhos acadêmicos e até no discurso do presidente norte-americano Barack Obama é a falta de distinção entre o que é um empreendedor, um inovador e um pequeno empresário. Pesquisas de diversos institutos tratam de empreendedorismo e inovação como se fosse um tema sem nuances. Colocam todos os tipos de negócio no mesmo balaio e fazem ponderações generalistas. Os teóricos preconizam que o empreendedor é a pessoa que assume grandes riscos econômicos e cria produtos e negócios que tornam os anteriores obsoletos. Não vou discutir a semântica dos termos. Mas se só pudermos chamar de empreendedor aqueles que conseguiram dar algum salto de inovação, nosso número de empreendedores seria infinitamente menor.
Esse debate ainda estava nebuloso em minha cabeça, até que li trechos de um estudo feito pelos pesquisadores Erick Hurst e Benjamin Wild Pugsley, da Universidade de Chicago, uma das mais influentes do mundo no que se refere a estudos econômicos. No artigo O que as pequenas empresas fazem?, os estudiosos enfatizam a confusão entre os termos e concluem que a maior parte das pequenas empresas americanas não é composta por geeks tentando abrir uma startup no Vale do Silício, mas sim por proprietários de postos de gasolina e pequenos comércios, mais temerosos que desejosos pela inovação.
O objetivo do estudo era mostrar um erro fundamental na política do governo norte-americano para ajudar as pequenas empresas a ampliar o número de empregos no país. Para eles, a discussão é importante porque o estado está injetando milhões de dólares para beneficiar as pequenas empresas, com a esperança de que um efeito cascata de prosperidade surja com a manobra. Segundo os acadêmicos, a retórica de que os pequenos negócios são os mais inovadores peca por não diferenciar a natureza destas companhias, e o dinheiro pode estar sendo desperdiçado quando destinado a negócios que não têm condições nem pretensões de crescer e gerar mais empregos.
Para nós, a discussão é valida para acabar com a confusão. Não sou pretensioso a ponto de cravar qual seria a definição mais precisa para cada um dos termos. Sou capaz, porém, de fazer algumas inferências. Muitas pequenas empresas são inovadoras, mas nem todas precisam inovar. Quem luta para abrir um negócio no Brasil e vence todas as dificuldades certamente é um empreendedor. Mas não é, necessariamente, um inovador. Quando ler uma reportagem com informações relevantes sobre empreendedorismo e inovação, o dono do negócio deve se perguntar: sobre qual tipo de empresas estão falando? São negócios tecnológicos ou não? Será que eu me encaixo nesse tema?
Não estou aconselhando ninguém a não inovar. Nem estou dizendo que as pesquisas sobre empreendedorismo estão erradas. Só busco lentes que tragam mais clareza para a situação. Uma preocupação minha é com os donos de negócios considerados comuns, para que não se sintam diminuídos se não se identificarem com os perfis empreendedores exaltados na mídia e nos estudos acadêmicos. Há muitos tipos de negócio. Embora alguns sejam mais cativantes no momento, todos são importantes. Outro ponto é levar a discussão aos leitores. Não é necessário um pouco mais de precisão para tratar desses assuntos?
Fonte: Papo de Empreendedor - Revista PEGN
28/10/2011
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