O novo padrão contábil incentiva os administradores a ajustar seus ativos pelo valor justo.
Algumas dúvidas surgem: o ajuste deve ser considerado uma receita/despesa no resultado ou deve ser lançado no patrimônio líquido? Se aumentar o lucro, a companhia pode pagar dividendos em cima desse ajuste? Como comparar o múltiplo das companhias que têm seus resultados “inflados” com o das empresas que não adotam esse procedimento? Veja o caso do segmento de shopping centers.
Excelente artigo de Renata Bardella “Dividendos sobre lucros não realizados” publicado na seção de Legislação do Valor Econômico de 19/09/12 traz a tona um tema pouco analisado: quais implicações a atualização dos ativos ao valor justo traz para a distribuição dos dividendos?
O novo padrão contábil definido pelo IFRS estimula os administradores a ajustarem seus ativos ao valor justo. Esse último não necessariamente se equivale ao valor contábil. No segmento de shopping centers brasileiro, das seis companhias listadas - Iguatemi (IGTA3), Aliansce (ALSC3), General Shopping (GSHR3), Multiplan (MULT3), Sonae Sierra (SSBR3) e BR Malls (BRML3) -, apenas as duas últimas ajustam suas propriedades para investimento, representadas por terrenos e edifícios, a valor justo.
A primeira dúvida que surge é se a diferença entre o valor da atualização e o valor contabilizado deve ser lançado no patrimônio líquido ou na demonstração de resultados do exercício, impactando diretamente o lucro. Segundo a autora, de acordo com o artigo 183 da lei societária (Lei 6.404/76) somente os ajustes de ativos financeiros devem ser lançados no patrimônio líquido. Além disso, o CPC (Comitê de Pronunciamento Contábil) 29 diz que “o ganho ou a perda proveniente da mudança no valor justo (...) deve ser incluído no resultado do exercício em que tiver origem”. Pronto, a primeira dúvida foi sanada. Havendo ajuste a valor justo, a diferença positiva ou negativa deve ser contabilizada na demonstração de resultados afetando o lucro líquido.
E a outra pergunta? Esse valor a maior no resultado (caso o ajuste seja positivo) pode ser base para distribuição de dividendos? Primeiro deve-se questionar se a companhia possui disponibilidade financeira para a distribuição de proventos, pois o ajuste tem mero efeito contábil. Até por isso esse acréscimo no resultado não é tributado. O pagamento dos tributos é diferido até a realização do ativo.
Segundo Bardella, esse lucro “inflado” pode, sim, ser base para o cálculo dos dividendos. Contudo a fim de evitar a descapitalização da companhia, a lei societária, nos artigos 197 e 202, permite que os lucros sejam limitados ao lucro realizado.
Foi o que ocorreu com a BR Malls em 2011. O lucro contábil foi de R$ 470,9 milhões. A variação positiva do ajuste ao valor justo das propriedades para investimento gerou uma receita operacional de R$776,2 milhões, impactando positivamente o lucro contábil. Caso esse ajuste e algumas variações financeiras fossem expurgados, o lucro seria de R$ 308,9 milhões, 34% inferior.
A base de cálculo para o pagamento dos dividendos informado pela empresa foi de R$ 447,5 milhões. A diferença entre esse valor e o valor contábil refere-se à constituição da reserva legal de 5% (R$ 23,6 milhões).
Assim, os dividendos mínimos obrigatórios seriam de R$ 111,9 milhões (25% sobre R$ 447,5 milhões), sendo que boa parte desse valor seria em cima de lucros ainda não realizados.
Mas a companhia não pagou dividendos sobre os lucros não realizados. Limitou os dividendos a R$ 48,7 milhões, valor igual ao lucro líquido realizado em 2011 e adicionalmente propôs dividendos complementares de R$ 19,5 milhões, totalizando R$ 68,2 milhões. Essa estratégia da companhia faz sentido, pois a geração de caixa não era compatível com um pagamento de dividendos de R$ 111 milhões. O caixa líquido das atividades operacionais foi de R$ 207,2 milhões, mas, por outro lado, a geração de caixa das atividades de investimento foi de R$ 2,2 bilhões. Assim a companhia valeu-se de aumento de capital e incremento do financiamento para suportar aquele desembolso.
Falei das consequências do ajuste a valor de mercado sobre os dividendos. E sobre o “valuation”? Como as demais companhias de shopping centers não vêm realizando o ajuste dos ativos a valor justo, os investidores que utilizam o múltiplo P/L (preço por lucro) ou o P/VPA (preço por valor patrimonial por ação) devem expurgar esse valor do lucro da BR Malls e da Sonae Sierra de forma a equalizar as informações entre as companhias.
Em 2012, a BR Malls e a Sonae Sierra já promoveram outra atualização no 2º trimestre. Dessa forma, o lucro “inflado” pelo ajuste reduz os múltiplos da BR Malls e Sonae. Logo pode dar a sensação de que BRML3 e SSBR3 estão mais atrativas do que as ações dos concorrentes o que não necessariamente pode ser verdade. De acordo com o sistema de análise fundamentalista S&P Capital IQ, o múltiplo P/L, com base no lucro dos últimos doze meses, de BR Malls e Sonae são os mais atrativos entre as companhias do setor. Contudo se expurgamos tal valor, BRML só estaria mais atrativa do que MULTI3. É lógico que a decisão de investimento não pode ser baseada em apenas um múltiplo, mas a falta de padronização entre as companhias mostra o desafio que gestores e analistas têm que enfrentar.
Por: André Rocha
Fonte: Valor Econômico - ValorInveste - O Estrategista
01/10/2012
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