quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A arte de trabalhar de olho no relógio


Juliana Vedovato, que é gerente executiva da ADN e lida com 14 países na América, além de Espanha e Cingapura, afirma que trabalho vai existir sempre. "O principal é saber a hora de parar"

O simples fato de adiantar o relógio em uma hora já é suficiente para alterar o humor e o cotidiano de muita gente, o que pode ser comprovado desde domingo passado, quando parte dos Estados brasileiros entraram no chamado horário de verão. Existem executivos, contudo, acostumados a lidar com diferenças bem maiores durante o ano todo. Eles têm clientes, fornecedores e colegas de trabalho espalhados pelo mundo, em fusos horários dos mais variados.

Christiano Rihan, gerente de contas estratégicas para a América do Sul da UPS, é um exemplo. Executivo de uma empresa que opera em 220 países e territórios, ele passa o expediente de olho no relógio. "Nos Estados Unidos, tenho oscilações de uma a quatro horas, dependendo se meu cliente ou parceiro está na Costa Leste ou Oeste. Na Ásia é o extremo: quando estamos indo dormir, eles estão acordando para começar a trabalhar. Para facilitar, me organizo por regiões", explica.

O maior inconveniente, segundo ele, é a sensação de estar sempre trabalhando com um dia de atraso. Quando tem a necessidade de falar com uma determinada região e não consegue por conta do fuso, Rihan toma decisões por conta própria e espera o dia seguinte para saber se a sua solução funcionou. "Até eles me responderem, é a minha vez de estar dormindo", diz. Na rotina do executivo, as reuniões têm um papel fundamental e muitas vezes acontecem em horários pouco convencionais, como 6h ou 23h.

Para tudo funcionar de forma eficiente e a produtividade não cair, a saída é trabalhar com muita disciplina, sincronia, planejamento e comunicação. "A empresa tem uma rotina bem definida para lidar com a dispersão geográfica dos funcionários. Claro que existem exceções, mas temos um modelo que permite aos profissionais tocarem os projetos independentemente do horário", garante.

Casos como o de Rihan têm aumentado com a vinda de diversas multinacionais para o país, com a expansão de empresas nacionais no exterior e com a internacionalização das carreiras. O Brasil, inclusive, é atualmente o quinto colocado no ranking dos principais destinos de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) voltados para a produção, segundo o World Investiment Report 2012, da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

O especialista em gerenciamento do tempo e produtividade pessoal Christian Barbosa, diretor da Triad PS, destaca a importância de ter um planejamento rigoroso desses encontros, sempre combinando as agendas da matriz e das filiais. Estas últimas, segundo ele, costumam virar escravas da primeira, o que pode ser negativo. "É essencial que haja um equilíbrio entre os dois lados. Para isso, um quadro fixo de reuniões, com dias e horário pré-definidos, pode ajudar bastante", explica.

A forma como as reuniões são planejadas e conduzidas também é fundamental para que a produtividade seja mantida e ninguém fique sobrecarregado. "Tudo começa na hora de convocar os participantes. É preciso definir quais são as pessoas indispensáveis. Gente demais vai atrapalhar", diz. Temas claros e resumos sobre o que vai ser tratado durante os encontros também é importante. "Isso torna o debate mais curto e eficiente e evita que o executivo perca tempo que poderia ser usado em outra atividade ou, dependendo de onde ele está, até mesmo dormindo."

Juliana Vedovato, gerente executiva das Américas da ADN, lida com 14 países no continente, o que significa uma variação de até três horas entre matriz e filiais. Além disso, ela se reporta diretamente à Barcelona e tem pares em Cingapura. "Normalmente, agendo reuniões para bem cedo aqui no Brasil, por volta das 6h, ou fico trabalhando até bem tarde", explica. Mas, isso não quer dizer que Juliana trabalhe 24 horas por dia. Usando recursos tecnológicos e o bom senso, ela consegue manter a média diária de oito ou nove horas. "Trabalho vai existir sempre já que, enquanto estou dormindo, outras equipes estão em plena produção. O principal é saber a hora de parar."

A questão psicológica também deve ser levada em conta. "Quando acordo, já me sinto devendo, com mais de cem e-mails na minha caixa postal". Embora faça ioga para tentar se desligar com mais facilidade, a executiva confessa que às vezes, quando um grande projeto está em andamento, acorda de madrugada para dar uma espiada nos e-mails e ver se não há nada urgente. "Isso é um perigo. É preciso ter cuidado, ou a vida pessoal começa a ser afetada", alerta.

De acordo com Barbosa, a preocupação com os limites para quem faz parte de equipes multiculturais distribuídas em diferentes fusos horários é imprescindível, sob o risco de ter a saúde ou a própria eficiência afetada. "O executivo brasileiro ainda tem que aprender a dizer 'não' e a recusar reuniões em horários pouco ortodoxos ou que custarão caro demais no dia seguinte. É assim que agem os orientais e os americanos, por exemplo. Não se pode ceder sempre à pressão".

A culpa dessa dificuldade do brasileiro em impor limites é creditada pelo especialista à cultura das empresas no país que valorizam empregados que ficam muitas horas além do expediente. "Enquanto no Brasil o chefe acha bonito quem vira a madrugada para conseguir terminar um projeto, na Europa as jornadas estão sendo reduzidas e a produtividade, aumentando", ensina.

Segundo a especialista em etiqueta corporativa Licia Egger, até pouco tempo quase não se discutia o quanto as diferenças culturais e de fusos horários poderiam interferir em uma negociação ou relação comercial. Com as distâncias cada vez menores, a facilidade de comunicação e situações profissionais cada vez mais complexas, no entanto, tornou-se necessário mudar a forma como percebemos e administramos o tempo nos negócios e a nossa postura diante de outras culturas.

Para tentar facilitar a vida de seus funcionários, a ADN disponibiliza um treinamento de diversidade cultural, onde temas como a forma mais adequada de se escrever um e-mail ou conduzir um telefonema, de acordo com as diferentes culturas, são abordadas. "Já tive que lidar com situação em que uma funcionária de uma filial da América do Sul se sentiu mal por ter recebido uma mensagem seca e direta de um colega de equipe americano, e queria descobrir o que tinha feito de errado. O jeito deles é completamente diferente do nosso", diz.

Para quem acha que um executivo que trabalha lidando com diferentes países não dorme ou é mais estressado em razão de tantos detalhes que precisam ser cuidados e do planejamento intensivo, Juliana garante que sua vida profissional não é muito diferente da maioria. "Tenho tempo para a família, meus hobbies e para descansar".

Ainda assim, é preciso estar preparado para enfrentar o ritmo e as particularidades de um cargo desse tipo. "É um aprendizado constante, que nenhum curso vai ensinar. Além de ouvir mais os clientes e parceiros para conseguir entender suas necessidades, ganhamos rapidez de raciocínio ao falar, às vezes, três idiomas diferentes no mesmo dia", diz.


Fonte: Valor Econômico
25/10/2012

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