Com o incentivo de universidades e incubadoras, jovens empreendedores driblam entraves e abrem suas empresas
Carolina Stanisci e Paulo Saldaña
Na década de 90, muitos pais ficavam chocados quando o filho recém-formado anunciava que iria abrir um negócio. Carteira assinada e carreira sólida em grandes empresas pareciam opções mais viáveis. Mas essa percepção mudou e agora até o mundo acadêmico resolveu ajudar futuros empreendedores a se livrarem da imagem de gênios incompreendidos. Universidades têm apostado cada vez mais em núcleos de empreendedorismo e incubadoras. Para analistas, isso ainda não é o suficiente, mas já reforça a visão de que é preciso aprender na faculdade o caminho para se dar bem como empresário. Até porque uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade mostrou que em 2009 mais da metade dos 33 milhões de brasileiros que têm algum tipo de empreendimento – 52,5% – eram jovens de menos de 34 anos. Foram alunos da ESPM com esse perfil que influenciaram a direção a criar o Núcleo de Empreendedorismo. Uma pesquisa recente mostrou que 80% dos estudantes querem abrir uma empresa – há dez anos esse número era de apenas 20%. “O foco na carreira do aluno agora deve contemplar também a criação de sua empresa”, afirma o professor de Administração José Eduardo Amato Balian, que integra o núcleo. Na FGV, a estratégia é semelhante. O coordenador-adjunto do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da instituição, Marcelo Marinho Aidar, afirma que é clara a mudança de percepção sobre a importância de o País incentivar seus jovens empresários. “Uns 25 anos atrás, como era visto um profissional que ia abrir um negócio e tinha um diploma? Era um cara fracassado, porque os pais esperavam que fizesse carreira em uma empresa.”
Impulso - Foi esse estímulo durante a faculdade que ajudou a empresa de Giovani Amianti, de 28 anos, a prosperar. Em 2004, quando estava no último ano de Engenharia Mecatrônica na USP, ele e dois colegas criaram uma empresa de robótica para fabricar aviões de monitoramento não-tripulados. A ideia só saiu do papel graças ao incentivo de um professor e ao apoio do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec). Considerado o maior centro incubador do País, o Cietec fica na Cidade Universitária, mas é financiado pelo Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae). Segundo seu diretor, José Carlos de Lucena, o centro é muito procurado tanto por estudantes como por empresas que usam os serviços da incubadora para montar um braço tecnológico. Para Amianti, que já está no doutorado na Poli-USP, o papel do Cietec foi fundamental especialmente no início das atividades da XMobots, que acabou de fechar um contrato para fotografar a Amazônia durante um ano e meio, por R$ 400 mil. “A gente agora entrega o projeto todo, não apenas o produto, porque é uma tecnologia cara. Um avião de monitoramento custa US$ 500 mil”, conta. Segundo o empresário e pesquisador Newton Campos, que acabou de defender doutorado na FGV sobre empreendedorismo, exemplos como o de Amianti estão deixando de ser exceção no Brasil, apesar dos entraves burocráticos e da falta de incentivo do governo. “Hoje, tem muito mais gente com a cabeça empreendedora aqui.” Campos acompanhou por cinco anos, no estudo O Contexto Social do Empreendedorismo no Brasil e na Espanha, a carreira dos finalistas do prêmio para empreendedores da Ernst & Young. Para ele, o brasileiro é mais passional que o anglo-saxão e não dá tanta importância à faculdade. “Só dois empresários que eu entrevistei tinham doutorado. De longe, eram as empresas mais organizadas.”
Apego - De acordo com Campos, brasileiros e latinos em geral têm um forte vínculo emocional com seu negócio. Preferem morrer agarrados à empresa a ter de se desfazer dela. “Um empresário que entrevistei me disse que vender seria como perder uma filha.” É o caso da gaúcha Louise Scoz, de 25 anos, graduada em Publicidade pela ESPM de Porto Alegre. Logo depois de formada, ela abriu uma empresa de pesquisa de comportamento do consumidor. “É difícil falar do futuro, mas acho que não venderia o negócio porque muitos dos valores embutidos vieram de reflexões pessoais.” A pesquisa de Campos mostra que, em contrapartida, os americanos têm uma visão pragmática. Quando estão no auge, vendem seu negócio. “Nos Estados Unidos, o projeto do empreendedor tem a ver com criar empresas para liderança mundial e movimentação de grandes fortunas”, diz Evandro Paes dos Reis, da Business School São Paulo. Foi o pragmatismo que moveu o empresário paulistano Pierre Mantovani, de 35. Ele abriu sua empresa de publicidade digital na década de 90. Tudo começou como uma brincadeira entre amigos, que passavam a noite na internet pesquisando agências de publicidade. Começaram então a vender sites para elas. “Um dia, quando estava no 4.º ano de Engenharia Elétrica de Computadores da FEI, cheguei para minha mãe e disse: ‘Vou largar a faculdade e abrir minha empresa.’” A ideia deu certo, o negócio cresceu e, quando começou a ser sondado por grupos internacionais, Mantovani decidiu vendê-lo. “Não fiquei esperando. Viajei por vários países e escolhemos para quem queríamos ser vendidos.” Ele não revela o valor que recebeu em 2008 para transferir o controle de sua empresa para a Digitas, maior agência digital do mundo. Mas se Mantovani é exceção por ter vendido a empresa no auge, é regra na pesquisa de Campos pelo perfil acadêmico: ele largou a faculdade e não voltou a estudar. “A pessoa (que não estuda) pode tomar o caminho certo ou o errado, mas não tenho a menor dúvida que quem opta pela educação erra menos”, diz o pesquisador. Outra característica recente do jovem empreendedor é não ter foco só no dinheiro que pode ganhar. “A motivação básica é fazer algo diferente, como uma solução para problemas ambientais”, afirma Guilherme Ary Plonski, presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Amprotec).
Poder tocar um negócio lucrativo e “diferente” foi o que inspirou o aluno da FEA-USP Alexandre Veiga, de 23 anos: “Se você olhar para fora do seu carro, vai dizer: ‘Que mundo maluco, doente.’ Não faz sentido, e as empresas replicam esse modelo. Para continuar vivo, é bom apostar em algo que faça sentido.” Ele se uniu ao sócio, já formado na FEA, e montou a Area, uma incubadora de empresas. “A gente queria empreender, tínhamos várias ideias, dois planos de negócio. Mas percebemos que não sabíamos por onde começar e vimos que não era um problema só nosso.” A companhia ajuda seus clientes desde a entender o que é o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) até a conhecer possíveis investidores. No início, eles investigam se os clientes têm capacidade para trabalhar no que desejam. “Fazemos uma investigação quase policial”, diz Veiga. Trabalhando informalmente em salas da USP, a Area se vale de uma rede de contatos na universidade e de amigos para captar seus clientes – a incubadora começou a funcionar em maio e já têm seis deles. “Um dos clientes é uma dupla de engenheiros formados pela Poli-USP que inventou um protótipo que mapeia cédulas. Depois, o aparelho reproduz sonoramente o valor, para quem não enxerga”, diz. “Queremos gente jovem que pense no resultado socioambiental.” Por enquanto, a empresa não cobra pelo serviço.
O Estado de São Paulo, 30/08/2010 - São Paulo SP
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