segunda-feira, 7 de junho de 2010

O monge, o executivo e a Administração


Luiz Eduardo da Silva Amaro

Dentre os assuntos campeões de audiência na área da Administração, tem-se certamente a liderança. Junto com motivação, vendas e estratégia, liderança forma um quarteto campeão de faturamento, envolvendo cursos, palestras, consultorias e livros que movimentam bilhões de dólares ao redor do mundo todos os anos. Vários estudiosos dizem que esses quatro assuntos são os mais demandados justamente porque pouco pode ser afirmado sobre eles de maneira categórica. Ou seja, prestam-se a todo tipo de picaretagem. O livro do momento, no Brasil, quando o assunto é liderança, chama-se O Monge e o Executivo, uma obra de pouco mais de 130 páginas que se lê em um dia e que figura na lista da revista Veja há cinco anos, tendo vendido cerca de três milhões de exemplares, 15 vezes mais do que nos Estados Unidos! Apesar de custar apenas 19,90 nas livrarias, seu autor, o consultor americano James Hunter, diante do sucesso em terra brasilis, tem-nos visitado regularmente, cobrando 400 reais de quem quiser ouvi-lo falar sobre um tema que admite poucas verdades.

Apesar de nossa precária memória auditiva, não tem faltado ouvintes, que, já tendo lido a obra, vão atrás de novas pérolas sobre o assunto. Para isso, aliás, seguindo a receita fácil do sucesso, Hunter lançou, em 2006, a continuação do seu best-seller - Como Tornar-se um Líder Servidor -, de mesma faixa de preço, mas tiragem bem menor, o que não causa nenhuma surpresa, porque o como sempre faz menos sucesso do que o o quê. Enquanto este aborda conceitos, classificações e quadros explicativos, só necessitando serem misturados a um enredo de fácil entendimento para entusiasmar o leitor médio, sem exigir dele qualquer ação ou compromisso, o como requer disciplina e sacrifício para se sair da zona de conforto ou, como diria Freud, sobrepujar o “princípio do prazer”.

Aliás, o médico austríaco é justamente o vilão da história. Sua teoria da psicanálise é descrita e taxada, em pouquíssimas linhas, como puro “determinismo”, porque, segundo Hunter, condicionaria o destino dos adultos, de forma definitiva, a experiências e traumas da infância, além de negar nosso livre-arbítrio, conceito filosófico que, na literatura descartável sobre motivação e liderança, geralmente é sinônimo do sempre ilusório “querer é poder”. O mocinho, para Hunter, é Abraham Maslow, psicólogo americano fundador, na década de 1950, juntamente com o também psicólogo e educador Carl Rogers, da Psicologia Humanística, um contraponto “otimista” à psicanálise freudiana. Maslow é autor da “hierarquia das necessidades”, uma teoria da motivação conhecidíssima entre alunos de Administração, que admite depender o comportamento humano de certas necessidades que se manifestam quando insatisfeitas.

Usando a hierarquia das necessidades de Maslow, Hunter defende a ideia de que só chegaremos à auto-realização como líderes e, por extensão, como seres humanos, se formos servos de nossos liderados, fazendo o bem sem olhar a quem. Valendo-se de um truque manjado, mas que sempre funciona – invocar figuras excepcionais para ilustrar receitas fáceis no papel, mas dificílimas na prática -, o autor recomenda seguir os ensinamentos e exemplos dados por Jesus, Gandhi e Luther King. Serve-se, assim, para benefício próprio e sem a menor cerimônia, de homens que refundaram, para os mais diferentes povos, a noção de solidariedade humana. Hunter apenas se esquece de frisar um detalhe: os três foram assassinados, pagando o preço de seus atos com suas próprias vidas, coisa que ninguém iria querer para si, muito menos um presidente ou executivo de empresa, por mais altos que fossem os bônus de final de ano.

Como administrador e professor de Administração, creio não ter aprendido nada com O Monge e o Executivo, que, na lista de Veja, aparece na seção autoajuda e esoterismo, dois termos pouco simpáticos à Administração, uma área do conhecimento que há muito sonha em ser reconhecida como ciência. Se você ficou curioso(a), leia o livro. Aliás, aproveite e leia outro: Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, do filósofo francês André Comte-Spomville. Depois tire suas próprias conclusões.

Revista Gestão Universitária, Edição 226

Um comentário:

Anônimo disse...

Até que enfim alguém falou a verdade sobre esse livro!