terça-feira, 13 de abril de 2010

Carreira - Vou repetir

Filhos que escolhem as profissões dos pais podem se destacar no mercado devido à troca constante de experiências. Mas se houver imposições, é grande o risco de desistência e futuras frustrações


Diante de tantas opções na hora de decidir qual caminho profissional seguir, muitos preferem não arriscar e resolvem traçar as mesmas escolhas dos pais. Às vezes, por imposição. Às vezes, não. No caso de Jorge Martins Ferreira, 20 anos, a carreira foi sendo cozinhada pela proximidade. Desde pequeno, ele acompanhava o pai, Francisco Erto Clarindo, 48, em seus restaurantes. Sempre de olho na movimentação na cozinha. Não dava para ser diferente: gastronomia foi escolhida como a formação superior. “Pensei que ele faria administração”, confessa Francisco Erto.

E Jorge até tentou. Frequentou um semestre do curso, mas não teve como negar a vocação. “Sempre gostei de cozinhar. A gastronomia tem matérias interessantes, como a nutrição. Além disso, posso criar novos pratos, usar o meu estilo”, ressalta. Uma oportunidade também de levar novidades aos pratos dos estabelecimentos do pai e até de abrir o próprio negócio. “Fiquei algum tempo cuidando de um dos restaurantes. Nesse período, sempre tentava ficar na cozinha, aprender algumas técnicas e dar opinião nos pratos que seriam servidos aos clientes”, relata Jorge.

Mesmo que em uma segunda opção, Jorge se sente realizado por estar no curso atual. Mas a derrapada do jovem profissional é comum e comprovada por estatísticas do Ministério da Educação. Segundo dados do Censo da Educação Superior, em 2008, 33% dos alunos de instituições federais não terminaram o curso que iniciaram. Nas instituições privadas, esse número sobe para 44,7%. A psicóloga Márcia Garcia acredita que a mudança de curso é um fator comum entre os jovens, já que a escolha da profissão é feita muito cedo. Para ela, com 17 anos, alguns podem não ter certeza de qual caminho seguir e acabam, pela proximidade, escolhendo os exemplos que têm dentro da casa. Ser submetido a um método de avaliação vocacional pode evitar escolhas erradas. “Em muitas escolas, essa avaliação já foi implantada. Acho fundamental que todo jovem a faça. Os pais, muitas vezes, depositam uma carga emocional muito grande. Eles têm que ter uma visão externa”, afirma.

Os casos de pais que exigem dos filhos o ingresso em determinada profissão deles ou em ramos tidos como promissores ainda são frequentes, segundo especialistas em carreira. Para a psicóloga e diretora da Rhaiz Soluções em RH, Carmen Cavalcanti, as imposições normalmente representam um desejo de que os jovens obtenham sucesso em suas carreiras. “Os pais sempre estão muito bem intencionados. É uma imposição que, a princípio, é para o bem. Só que eles não fazem ideia do quanto que isso pode ser prejudicial aos filhos”, comenta. Segundo ela, em Brasília, outro questionamento entra na negociação: tentar ou não um lugar na iniciativa privada? “Na capital do país, há uma tendência forte de relacionar o sucesso profissional a uma aprovação no setor público”, ressalta. Uma pressão justificada pelo trabalho estável e bem remunerado, mas que pode gerar problemas sérios. “Uma imposição tem seu preço e pode até gerar uma depressão”, alerta Carmen. Conversa franca - Na família de Karla Alves, 32 anos, parece até que a profissão de enfermagem corria nas veias. Ela e a irmã Fernanda Alves, 26, são enfermeiras, assim como a mãe Maíra de Fátima, 53. Karla conta que influência direta nunca existiu, mas as conversas na hora do almoço sempre giravam em torno da profissão de Maíra. “Minha mãe sempre teve muito carinho pela profissão, talvez pelo fato de ser enfermeira obstetra e ter que lidar muito com bebês. Isso, de certa forma, acabou sendo passado para mim e para minha irmã”, conta.

A psicóloga e diretora do Grupo Labor, Márcia Garcia, acredita que essas conversas a respeito da profissão dos pais são saudáveis e necessárias. “Aqueles momentos perdidos diante da televisão podem ser substituídos por esse tipo de conversa. Acho que o filho tende a valorizar e a respeitar muito mais os pais”, fala. Entretanto Márcia explica que os pais devem evitar falar apenas sobre esse assunto. “Eles devem abrir um leque de opções para esses jovens e conversar abertamente sobre todas as carreiras”, afirma. Apesar de não ter havido nenhuma imposição na família de Karla, ela acredita que com seu filho, de apenas um ano de idade, vai ser diferente. “Meu marido é médico. Na família dele, houve muita imposição por parte do pai que também era médico”, conta. “Eu acho que deve haver algum tipo de direcionamento, sim. Não dá para deixar eles escolherem sozinhos. Eles são obrigados a decidir a carreira muito cedo, ainda muito imaturos”, diz.

Correio Braziliense, 12/04/2010 - Brasília DF

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